segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fatiamento atende ao princípio da eficiência

A decisão do ministro relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, de adotar a mesma metodologia do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tem gerado muita polêmica. Afinal, julgar o processo conforme o modelo “fatiado”, que define os núcleos de atuação da organização criminosa, pode prejudicar os réus? Separar o veredito da dosimetria da pena seria uma “aberração”?
Para responder a primeira questão é necessário ter em mente o Princípio da Congruência ou da Adstrição, que está previsto no art. 460 do Código do Processo Civil. Ele refere-se à probição de o juiz condenar o “réu em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Por isso, uma das maneiras mais seguras de ver atendido esse princípio é o juiz proferir sua sentença de acordo com o que foi apresentado pela acusação, decidindo se a denúncia é ou não procedente.
No caso específico do mensalão, por exemplo, os ministros do STF devem optar pela condenação ou absolvição, partindo dos fatos expostos pelo Ministério Público Federal. Considerando-se a complexidade dos atos denunciados e o número de pessoas envolvidas, fica evidente a necessidade de se adotar uma forma eficiente de analisar cada um dos fatos relatados.
Ao contrário do que alegam os advogados dos réus, é justamente para atender também ao princípio do devido processo legal que a eficiência se faz premente, já que o postulado reclama também que o julgamento ocorra em tempo razoável.
Já no que se refere à dosagem da pena, é preciso levar em consideração que se trata de uma questão técnica e que em nada interfere no julgamento se for decidida posteriormente ao veredito. Ora, isso atende também ao princípio da eficiência, pois de nada adiantariam horas de discussão sobre a dosimetria das penas sem antes saber se o réu será de fato condenado pelo colegiado ou não.
Para além disso, a legislação determina apenas que a sentença – no caso, o acórdão – tenha o seguinte conteúdo: os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II – a exposição sucinta da acusação e da defesa; III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão (relatório); IV – a indicação dos artigos de lei aplicados (fundamentação); V – o dispositivo; VI – a data e a assinatura do juiz (artigo 381 do CPP).
Assim, a opção levada a cabo pelos ministros do Supremo de desmembrar o dispositivo (parte em que vem a decisão de condenar ou absolver o réu, a pena e o regime de cumprimento) é um ato neutro – pois, não prejudica, nem favorece qualquer das partes -, de mera ordenação de atos, e plenamente legítimo, uma vez que não é vedado em nosso ordenamento.

Fatiamento do Julgamento


O “fatiamento do julgamento” do mensalão é a votação por todos os Ministros do Supremo de cada item do voto do Ministro Relator. Assim, quando na quinta-feira ele terminou o primeiro item, condenando João Paulo Cunha pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato e condenando também Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz pelos crimes de corrupção ativa e peculato, o passo seguinte, nesta segunda-feira, será o voto do Ministro Revisor, Ricardo Lewandowski, sobre esses fatos e réus e posteriormente o voto dos demais Ministros também sobre esses fatos e réus.
Dessa forma, no final da votação desse primeiro item já se terá a decisão do STF sobre o juízo de condenação ou absolvição de João Paulo Cunha – que não responde a mais nenhuma outra acusação – e também sobre a condenação ou absolvição de Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz pelos crimes de corrupção ativa e peculato em relação aos contratos que a SMP&B tinha com a Câmara dos Deputados. Estes últimos, porém, ainda respondem a outras acusações pela prática destes e de outros crimes em outras situações. Somente no final do julgamento, após a fixação das penas é que se saberá quais réus terão ou não sido condenados.
Encerrada essa votação, o Ministro Relator voltará a votar sobre as demais condutas e réus, seguindo os itens e ordens que já estão em seu relatório. Terminada a votação pelo Ministro Relator, vota o Ministro Revisor e depois os demais Ministros da corte, sucessivamente, em cada um dos demais itens apresentados pelo Ministro Relator.
Não há no ordenamento jurídico nenhuma lei que impeça que o julgamento se realize dessa forma. Apesar de essa não ser a forma usual com que o Supremo julga ações penais ordinárias, pode-se dizer que essa mudança da metodologia nesse julgamento seria uma violação do direito de defesa dos acusados?
O que garante o direito de defesa no julgamento é a explicação e fundamentação que cada Ministro fará a respeito da absolvição ou condenação de cada um dos réus, pela prática de cada um dos crimes que lhes foi imputado. E em relação a isso, o primeiro item do Ministro Joaquim Barbosa não deixou dúvidas. Em seu voto é possível conhecer cada prova que influenciou a formação da convicção do Ministro Relator para decidir pela condenação dos réus.
E ao final, quando cada Ministro tiver concluído seu voto e o Plenário chegar ao resultado final, com a condenação e/ou absolvição de cada um dos réus, com a justificativa e fundamentação dessa decisão, teremos a resposta definitiva.

O julgamento ‘fatiado’ do mensalão


O Supremo Tribunal Federal, a meu ver, procedeu com acerto ao “fatiar” o julgamento da ação penal conhecida como “mensalão”. O “fatiamento” consiste em o julgamento ser feito por partes, ou seja, o relator votará com observância dos delitos ou dos acusados postos, por itens, na denúncia. Da mesma forma, na sequência, os votos do revisor e dos demais.
Poderia assim proceder? Sem dúvida que sim, dado que trata-se de simples metodologia de trabalho. E, tendo em vista as peculiaridades do caso, é dizer, as características da ação, questão complexa, com trinta e oito acusados, em que os votos do relator e do revisor estão escritos em mais de mil páginas e que os dos demais ministros devem, também, ser longos, proceder o julgamento por partes que se conjugam, se assemelham, é proveitoso, é útil, facilita a compreensão dos votos.
Imaginemos o tempo que levaria a leitura, pelo relator, de um voto de mais de mil páginas. Tomaria três, quatro sessões, ou até mais. Seguir-se-ia, da mesma forma, o voto do revisor e, na sequência, dos demais juízes. Isso seria por demais cansativo, fatigante, que redundaria em cansaço, fatiga, desatenção. Ao contrário, o julgamento “fatiado,” enfatizo, facilita à compreensão não só pelos Ministros, como, também, pelo Ministério Público, pelos defensores e pelos que estão acompanhando o julgamento.
Não conheço precedente igual. Certo é que o precedente que acaba de surgir poderá ser útil, no futuro, estando o Supremo Tribunal a braços com questão semelhante. Sem dúvida que os formalistas exagerados, de plantão, que não sabem conciliar o novo com o tradicional, haverão de dizer que a metodologia nova poderia ocasionar nulidade. O certo é que o formalismo exagerado muito tem servido para tornar realidade a lentidão processual que constitui mazela da nossa Justiça.
É oportuno anotar que o julgamento do mensalão, envolvendo membros do Executivo e do Legislativo – o Supremo Tribunal decidindo livremente, sem pressão de ninguém — demonstra que as nossas instituições estão funcionando, que a nossa democracia é realidade. Que assim seja, sempre.

Tamanho é documento?


Imaginem se, em alguma aula de história medieval, o professor relatasse o estranho costume de que, para anunciar uma decisão real, um conselho de sábios se reunisse, vestidos com estranhas togas e, uma vez tomada a decisão, ela fosse anunciada, separadamente por cada um dos sábios, sendo que, apenas o primeiro deles, demorasse quatro dias inteiros para ler o conteúdo de sua decisão.
Certamente se espalharia entre os alunos um misto de espanto e condescendência com aquela remota época anterior à internet, às naves espaciais e até da bicicleta, na qual esses estranhos rituais se multiplicavam.
Mas eis que nós brasileiros estamos diante de uma situação na qual esse ritual não pertence a livros de história medieval, mas sim à mais atual notícia em debate na sociedade: o julgamento do mensalão.
Claro, não são conselheiros do rei, mas juízes independentes.
No entanto, é particularmente intrigante como se naturalizado fato de que uma decisão pode demorar quatro dias para ser comunicada. Na verdade muito mais. Quatro dias apenas para o voto do relator. O voto do revisor pode durar o mesmo tanto e os outros votos tem duração imprevisível.
Será que alguma decisão já tomada na história da humanidade precisou de tanto tempo para ser comunicada?
Mais do que isso, muito tem se dito que a defesa tem tentado criar manobras protelatórias para evitar o voto do ministro Cezar Peluso. Até agora a única manobra da defesa, uma questão de ordem, atrasou em um dia o julgamento. Será que se os ministros reduzissem seus votos a tamanhos menores não seria possível garantir o voto do ministro que se aposenta no início de setembro?
As acusações a cada réu foram feitas pelo procurador-geral em menos de cinco horas. O relator realmente precisa de quatro vezes mais do tempo?
O fato é que outras Cortes Supremas conseguem decidir de maneira consistente e muito menos prolixa do que o STF.
O julgamento do mensalão tem servido para  jogar luz sobre o cotidiano do Supremo. Espera-se que essa luz possa ajudar a erradicar práticas que parecem muito mais com rituais medievais do que com o processo decisório de democracias contemporâneas.

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