Postagem Dag Vulpi 21/04/2011 13:08
A lista fechada, o financiamento público de campanha e a "janela da infidelidade"
O Congresso está prestes a realizar uma reforma política via legislação ordinária, sem viés de alteração constitucional.
Pretende-se votar – e aprovar – a lista fechada, o financiamento público de campanha e a "janela da infidelidade".
Como vemos as propostas apresentadas, concordamos com somente uma delas, a possivelmente antipática "janela da infidelidade".
E dizemos o porquê: conhecemos as práticas pouco democráticas desenvolvidas internamente nos partidos políticos brasileiros. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu, em julgamento histórico, a perda de mandato eletivo ao parlamentar que abandona o partido político pelo qual foi eleito. De outro lado, a Constituição Federal, juntamente com a legislação eleitoral, exigem do eleitor, como condição de elegibilidade, a prévia filiação partidária, ao menos desde um ano antes da eleição, para possibilitar-lhe a candidatura. Essas circunstâncias, como se vê, impedem aos detentores de mandato a mudança de filiação partidária, ao mesmo tempo que condicionam o direito de nova candidatura à permanência na mesma agremiação. Para os partidos políticos, esse é um cenário que lhes garante a permanência, em seus quadros, de todos os detentores de mandato. Para estes, especialmente aqueles que não se afinam com as cúpulas partidárias, resta uma difícil escolha: ou mudam sua filiação partidária um ano antes da nova eleição, sacrificando a manutenção do mandato para o qual foram eleitos, ou permanecem em partido político que não atende suas aspirações, para nele poder disputar o pleito.
Na janela criada para permitir a troca de partido sem perda de mandato, obedecendo ao prazo mínimo de filiação partidária como condição de elegibilidade, teríamos que uma relação partidária desgastada poderia dar lugar a uma – e somente uma – mudança de partido, de forma a que o parlamentar pudesse livrar-se, com vistas ao pleito seguinte, do jugo das imposições partidárias.
Não é demais lembrar: em São Paulo, vereador com forte atuação no setor da educação foi ameaçado pelo comando local de seu partido de ser afastado do pleito seguinte se não votasse favoravelmente à diminuição do percentual mínimo de aplicação no ensino na Lei Orgânica do Município (que previa aplicação de 30% das receitas tributárias, enquanto a Constituição Federal ordenava somente 25%). E, realmente, a atuação das indigestas cúpulas partidárias o impediu de candidatar-se à reeleição. Outro conhecido exemplo é de Heloísa Helena, a senadora que não permaneceu no PT porque o partido, quando alcançou o poder, mudou suas diretrizes ideológicas. Para esse tipo de dominação da cúpula, tão comum, é justo que, apenas durante um mês, um ano antes da eleição, haja permissão para mudança de filiação partidária. Assim existiria liberdade para a mudança de partido somente nesse momento, e não em outro qualquer, sob pena de perda do mandato. Dessa forma, estaria afastado o troca-troca partidário reinante até pouco tempo, assentado na oferta de benefícios aos parlamentares em troca do apoio ao Executivo.
Financiamento público de campanha, ao revés do que se apregoa, conduziria ao aumento da corrupção. O projeto que se concebeu a respeito criava uma espécie de pedágio pelo qual, mesmo nas eleições municipais, o dinheiro – público, bem entendido – que deveria ser direcionado apenas para a campanha das eleições era remetido às instâncias partidárias federais e estaduais, ficando o resto, e somente o resto, para os políticos municipais, que efetivamente disputariam o pleito. Em se tratando de dinheiro público, não faltam investimentos necessários no Brasil. Seria aceitável destinar verbas orçamentárias substanciais para as campanhas eleitorais?
E como os partidos utilizariam tais recursos? A lembrança que nos ocorre é que, nas instâncias dos partidos, o direito de figurar no horário eleitoral gratuito de rádio e televisão é atribuído pela cúpula a determinados candidatos, mas não a todos. Ações existiram para exigir uma melhor distribuição desse horário, que não deixa de ser um recurso posto à disposição dos partidos por força de lei. Foi o falecido Desembargador Alves Braga, então presidente do TRE-SP quem teve coragem de mexer nesse "interna corporis", pondo sua afiada caneta nesse antro de privilégios. Mas a divisão do tempo de televisão continua, hoje, a ser feita entre os escolhidos pelas cúpulas partidárias, sem contemplar a todos. E as decisões "interna corporis" dos partidos políticos não são submetidas ao controle judicial.
Só para consignar que há questões sem respostas: no caso de ser adotado o financiamento público das campanhas com a entrega dos recursos aos partidos políticos, se as contas foram mal prestadas, cassam-se, no caso da lista fechada, todos os listados? E o pedágio, alegadamente usado em propaganda institucional, fica na mão de quem?
Já a lista fechada indica que o eleitor não poderá votar mais no seu candidato, mas apenas em uma lista escolhida sem a participação de outros que não os da cúpula partidária. Serão alocados os candidatos nessa lista, por assembléias partidárias insuscetíveis de controle judicial, tendo em vista o famoso e triste "interna corporis". E mesmo as convenções partidárias locais poderão ficar sujeitas à aprovação da cúpula nacional, como ainda agora aconteceu na contenda Alckmin e Kassab, dentro do PSDB de São Paulo.
Quem vai para a cabeça da lista é quem é amigo do rei, quando não o próprio rei. Quem não tem votos populares, mas faz parte da cúpula será reeleito às custas do comando partidário e não da aceitação popular. Perguntas não faltam: quanto valerá um dos primeiros lugares nas listas partidárias? Quantos interesses se definirão na ordem de inscrição dos nomes da lista? Quem pagará para ter o seu nome entre os primeiros? E quem receberá? Como se dará a necessária renovação dos quadros políticos?
Há, entretanto, alterações legislativas outras, ainda que pontuais, capazes de dar maior transparência ao atual processo eleitoral, as quais, ainda que sejam chamadas de meros remendos, podem ser mais positivas do que as alterações propostas com o nome de reforma política.
Precisamos alterar a forma de substituição de candidatos majoritários. Hoje, é possível substituir esses candidatos até a véspera da eleição. O que sucede é que tais candidatos, possuidores de votos, mas sem condições de elegibilidade, permanecem como candidatos até a véspera do pleito, e aí são substituídos pelo parente próximo, sem que o eleitor tome conhecimento disso. No dia anterior à eleição uma petição é encaminhada ao Juiz Eleitoral, e pronto. A fotografia do renunciante permanece na urna, mas o verdadeiro eleito é o filho ou a filha, em prática na qual o Procurador Regional Eleitoral de São Paulo vê, com razão, vigorosa fraude.
Outra situação a aperfeiçoar é o pertinente às doações eleitorais. As pessoas jurídicas só podem doar aos candidatos 2% do seu rendimento bruto do ano anterior. Mas, como a lei só restringe doação para candidato, as pessoas jurídicas estão fazendo doações diretas aos partidos, às vezes de valor muito superior ao permitido por lei. Ainda agora, no Rio Grande do Sul a governadora que lá está anunciou recebimento de aporte de recursos pela via partidária na época das eleições, também fraudando não a lei, mas seu espírito.
Mais adiante, votar no Enéas em São Paulo e eleger gente de outros estados, com apenas 400 ou 500 votos, também é forma de desvirtuar a eleição proporcional. Já há projeto de lei de autoria do deputado Wagner Rubinelli estabelecendo limite mínimo de 10% do quociente eleitoral para que o candidato seja eleito.
São sugestões para aperfeiçoar o processo eleitoral, bem ao contrário do que se pretende votar como reforma política. Com certeza, se levadas adiantes estas simples proposições o nosso processo eleitoral melhorará, ao contrário do que acontecerá se for avante a atual proposta de reforma política.
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