RIO - O cientista político Amaury de Souza, doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e autor, com o cientista político Bolivar Lamounier, do livro “O futuro da democracia: cenários político-institucionais até 2022” vê com ceticismo a reforma política.
Acredita que o corporativismo é um obstáculo à aprovação das medidas propostas e reafirma o risco de caixa 2, mesmo com o financiamento público, em discussão pela Comissão de Reforma Política do Senado.
O GLOBO: O senhor acredita que as mudanças estudadas e até agora aprovadas ainda preliminarmente podem de fato evitar o caixa 2? Não seriam uma forma de enxugar o gelo?
AMAURY DE SOUZA: Com a possível exceção da proibição de coligações em eleições legisltativas, nenhuma mudança até agora aprovada pela Comissão de Reforma Política do Senado evita o “caixa 2”. Tampouco haverá redução do “caixa 2” caso o financiamento público de campanhas eleitorais venha a ser aprovado. O caminho mais eficaz para a eliminação do “caixa 2” é aprofundar a prestação conjunta de contas de campanhas eleitorais à Justiça Eleitoral e à Secretaria da Receita Federal, como previsto na Portaria Conjunta Nº 74, de 2006.
O GLOBO: O senhor acredita que o voto em lista fechada, aprovado em relatório da Comissão de Reforma Política no Senado, evita de fato distorções como os fenômenos de mídia que acabam "elegendo" outros deputados sem representatividade popular?
AMAURY: Por não serem secretos os nomes dos candidatos escolhidos pelos partidos, o voto em lista fechada em nada desencoraja a busca de fenômenos de mídia para alavancar a eleição de um número maior de parlamentares. Ao invés de evitar distorções, a lista fechada as agrava pois as oligarquias partidárias e o poder econômico exercerão influência decisiva na seleção dos nomes que comporão as listas partidárias.
O GLOBO: Qual sua posição em relação ao chamado "distritão", descartado nessa etapa inicial de discussão da comissão no Senado?
AMAURY: Trata-se de proposta que provoca distorções tão ou mais graves do que a lista fechada. Como a eleição de parlamentares se daria por maioria simples, com votos computados em todo o Estado, no caso de deputados federais e estaduais, ou em todo um município, no caso de vereadores, cada partido teria forte incentivo para escolher candidatos “tiririca”, isto é, fenômenos de mídia sem maiores vínculos com os eleitores.
O GLOBO: O senhor considera factível o governo Dilma conseguir negociar com o Congresso a aprovação de medidas que podem cortar na própria carne dos parlamentares?
AMAURY: Depende das medidas em tela. Daquelas que foram aprovadas pela Comissão de Reforma Política do Senado, a que mais afetaria os interesses de parte importante dos parlamentares seria a proibição de coligações em eleições legislativas. Pode-se prever que para os pequenos partidos, com menos de 20 deputados, e para os partidos muito pequenos, ou “nanicos”, o fim das coligações significaria, via de regra, seu desaparecimento da Câmara dos Deputados e de várias Assembléias Legislativas. Daí a dificuldade de aprová-la.
O GLOBO: Logo na escolha dos integrantes da Comissão de Reforma Política da Câmara, um retrato da complexidade do nosso sistema político. Parte dos deputados escolhidos para integrar o grupo tem ou tiveram problemas com a Justiça. Entre eles, Paulo Maluf e Jaqueline Roriz (que acabou pedindo afastamento, depois do posicionamento do seu partido, o PMN, diante das denúncias de envolvimento com corrupção, no DF). O senhor acredita que deputados tão diretamente ligados às distorções que a reforma procura evitar estão aptos a formatar essas mudanças?
AMAURY: O problema não são apenas os parlamentares passíveis de punição pelo Ficha Limpa. Boa parte dos deputados estão, de uma forma ou de outra, ligados às distorções que a reforma procura sanar. Por exemplo, apenas 36 deputados federais foram eleitos em 2010 com votação própria; os demais se beneficiaram das “sobras” de votos nos respectivos partidos ou de coligações com outros partidos, desfigurando as escolhas dos eleitores. Quem deveria formatar essas mudanças são os verdadeiros interessados, isto é, os eleitores.
O GLOBO: Qual será, na sua avaliação, o principal ganho de uma reforma política?
AMAURY: A reforma política que realmente interessa aos eleitores é a mudança para um sistema eleitoral distrital, com a divisão prévia dos Estados, capitais e grandes municípios em distritos eleitorais com, no máximo, 500 mil habitantes, e a eleição em cada distrito de um só parlamentar (federal, estadual ou municipal) pelo voto majoritário em dois turnos. Nesse sistema, os eleitores sabem claramente quem são seus representantes e podem fiscalizar o comportamento deles na Câmara de Deputados, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, punindo-os de forma eficaz caso ocorram desvios de conduta.
O GLOBO: O senhor acredita que o fim da reeleição, aprovado pela Comissão de Reforma Política do Senado, passa no Congresso?
AMAURY: Se a entrada em vigor do fim da reeleição for postergada para 2018, aumenta a probabilidade de sua aprovação pelo Congresso. Questão bem mais séria do que o fim da reeleição é a proposta de tornar os mandatos de 5 anos coincidentes em todos os níveis da federação. Eleger na mesma data o Presidente da República, senadores e deputados federais, governadores e deputados estaduais e os prefeitos e vereadores é uma fórmula que pode desembocar numa crise política caso um mesmo partido ou coalizão de partidos conquiste o apoio de uma maioria eventual.
O GLOBO: Qual a sua avaliação sobre a reeleição? Ela cria de fato distorções?
AMAURY: Não necessariamente. Pelo lado positivo, o direito à reeleição deu aos governantes brasileiros uma visão de continuidade da política pública no médio prazo. Esse efeito foi reforçado pela constatação de que presidentes, governadores e prefeitos cujo desempenho no governo é avaliado favoravelmente pelos eleitores quase invariavelmente ganham um segundo mandato. Pelo lado negativo, há o uso abusivo da máquina pública propiciado pelo direito de disputar o segundo mandato no cargo. Para evitar a corrupção e o abuso do poder, o ideal é que os governantes se licenciassem do cargo durante a campanha eleitoral.
O GLOBO: Como o senhor avalia as condições de governabilidade da presidente Dilma? No início do governo, havia dúvidas sobre sua capacidade de negociação com o Congresso.
AMAURY: O primeiro embate da presidente Dilma Rousseff com o Congresso foi o valor do salário mínimo e ela demonstrou firmeza na negociação com os parlamentares. O problema é que as coalizões parlamentares no Brasil exigem novas negociações para cada projeto de lei apresentado pelo Executivo.
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