Por Conceição Lemes, no blog Viomundo:
Não sei se a “doença” já está incorporada no DNA do PSDB ou se trata de “infecção” que às vezes se transmite entre tucanos, especialmente os de alta plumagem. O fato é que alguns adoram pedir aos patrões da mídia corporativa a cabeça de jornalistas que perguntam ou escrevem sobre fatos que lhes desagradam.
O ex-governador José Serra (PSDB-SP) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) são “mestres” nesse tipo de censura e estão fazendo escola. O deputado federal Carlos Roberto de Campos (PSDB-SP) é o mais novo “adepto”. Nessa quinta-feira, 7 de julho, ele pediu e conseguiu a demissão do jornalista Ricardo Gomez Filho, do jornal Metrô News, sediado em Guarulhos e que circula nas estações do metrô de São Paulo.
Há um mês Ricardo denunciou um caso de nepotismo na Secretaria de Estado da Energia, comandada por José Aníbal – deputado federal licenciado do PSDB-SP. Em maio, o adjunto dele, Ricardo Achilles, contratou o sobrinho Mateus Achilles Gomes para um cargo no departamento jurídico da Empresa Metropolitana de Águas e Esgoto (Emae), empresa subordinada à Secretaria.
Nessa semana, em entrevista agendada com o deputado Carlos Roberto de Campos para a Folha Metropolitana, Ricardo aproveitou a oportunidade e perguntou o que achava de Achilles ter contratado Gomes com o aval de José Aníbal. A Folha Metropolitana, outro jornal da empresa a que pertence o Metrô News, publica toda segunda-feira uma entrevista no formato pingue-pongue. A pergunta sobre nepotismo, que sairia de qualquer forma na segunda-feira, foi usada também em uma matéria para o Metrô News, da última quinta. O deputado Carlos Roberto é de Guarulhos.
Ricardo relembra: “Eu e o editor achamos oportuno questionar sobre nepotismo, já que Carlos Roberto vive criticando o governo federal e de outros estados, falando em ética, transparência, respeito, liberdade, essa coisa toda. Ele poderia ter se recusado a responder ou dizer que desconhecia o caso, mas optou por descer a lenha no colega de partido, e a matéria foi publicada”.
Ao tomar conhecimento da reportagem, Carlos Roberto foi à redação e exigiu que o diretor do Metrô News demitisse Ricardo. Conseguiu. O jornal cedeu à pressão. Na própria quinta-feira à tarde, Ricardo foi despedido:
“Eu estava saindo da redação, que fica no terceiro andar, quando vi, de relance pelo vão da escada, o Carlos Roberto subir. A conversa nos corredores era tensa, ouvi eco de vozes, a dele se ouve de longe. O tom era de uma pessoa irada. Eu não tinha 100% de certeza de que fosse ele, apenas minha intuição indicava isso. Quando cheguei ao andar da diretoria [o primeiro], já haviam fechado as portas. Mais tarde, ao retornar, perguntei aos colegas sobre a visita e obtive a informação de que o Carlos Roberto estivera reunido com o diretor Orlando Reinas. Suspeitei do motivo. Era muita coincidência ele aparecer lá exatamente no dia que o Metrô News publicou a entrevista. Depois, o próprio pessoal da empresa começou a comentar. Quando cheguei à redação ouvi rumores, mas não dei muita importância. Mais tarde fui chamado pelo editor-responsável que me informou da demissão e o motivo. O deputado queria, por assim dizer, beber do meu sangue. Provavelmente ele foi advertido no PSDB e precisava, como me disseram, dar satisfação ao tucanato”.
Ricardo foi fiel à verdade dos fatos. Tanto que a matéria não foi desmentida. Desde sexta-feira, um dia após a demissão, conversei com ele algumas vezes, para saber mais detalhes do que aconteceu.
Afinal, o que o Carlos Roberto disse que desagradou os tucanos?
O tempo todo ele se diz defensor da ética e da transparência. Eu relembrei-o desse discurso e, aí, perguntei o que achava de o Ricardo Achilles, adjunto do José Aníbal ter contratado o sobrinho Mateus Achilles Gomes para um cargo no departamento jurídico da Emae, empresa subordinada à Secretaria de Energia, com o aval do próprio secretário, que é o Anibal.
“Não concordo”, ele me respondeu. “Defendo a transparência, a ética, tanto que no meu gabinete você não vai encontrar nenhum parente meu.”
Campos afirmou que condena a prática de nepotismo independentemente de coloração partidária e a atitude do adjunto de Aníbal é “imperdoável”, uma vez que existem outros profissionais capacitados para o exercer o cargo.
“Eu condeno qualquer ação desse tipo”, prosseguiu. “Se ele [Achilles] contratou um sobrinho é porque quis proteger um parente. Isso é imperdoável.”
Você relatou exatamente o que ele disse?
Claro que sim. A pergunta foi direta e a resposta também.
Você tem a gravação ou anotações dessa conversa?
Sim, a gravação.
Quem é Carlos Roberto de Campos, além de deputado federal?
Na verdade, é presidente do diretório municipal do PSDB e foi o 7º suplente na coligação PSDB/DEM. Quando Rodrigo Garcia (DEM) assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, ele cedeu a vaga na Câmara dos Deputados a Carlos Roberto. É um empresário de Guarulhos com várias fábricas no Brasil, Estados Unidos e Eslováquia.
Campos é dado a resolver as coisas no grito, da forma mais grotesca, mais marcante, mais ostensiva. Resolveria a questão com um telefonema, mas quis dar uma carteirada e mostrar quem manda na cidade. Guarulhos é “repartida” entre várias famílias, e o Carlos Roberto é um dos “cotistas”. O jornal, infelizmente, sucumbiu e cedeu.
Gostaria que você detalhasse o caso do sobrinho do adjunto do secretário José Aníbal, já que está na origem da sua demissão.
Então vamos ao caso. O secretário-adjunto de Energia do Estado de São Paulo, Ricardo Achilles, contratou, no mês de maio, o advogado Mateus Achilles Gomes para ocupar um posto na Empresa Metropolitana de Águas e Esgoto (Emae) com salários perto de R$ 9 mil. Gomes é filho de uma irmã de Achilles.
A informação chegou ao jornal por meio de uma denúncia. Ao tomar conhecimento, levei o caso aos editores e fui autorizado a apurar. Liguei para a assessoria de imprensa da Secretária de Energia e Emae. A estatal confirmou a contratação, mas afirmou que a admissão era absolutamente regular.
Tentei uma entrevista com Achilles ou com Aníbal, mas a assessoria de imprensa negou. Como a contratação havia sido confirmada pela Emae, a matéria foi publicada com as justificativas contidas na nota da empresa.
No dia seguinte, encaminhei o arquivo digital da reportagem ao Ministério Público de São Paulo. Também ouvi o diretor da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, que nos assegurou se tratar de um caso de nepotismo e condenou a prática. Tentei falar com o governador, mas a assessoria de imprensa dele também negou a entrevista.
Dias depois, “forças ocultas” ligadas ao titular da pasta de Energia, José Aníbal, fizeram contato com a redação e pediram para “abafar” o caso. O editor-responsável, todavia, disse que íamos continuar noticiando, porque o fato estava confirmado e por termos dado esse furo. Ele assumiu essa frente e continuamos a noticiar, aguardando que o MP se manifestasse. O que ainda não aconteceu. E Gomes continua no cargo.
No início da semana, eu tinha uma entrevista agendada com o deputado federal Carlos Roberto para ser publicada na Folha Metropolitana, nesta segunda-feira, 11 de julho. Como o parlamentar vive falando em ética, transparência, respeito, liberdade, essa coisa toda, eu e o editor-responsável decidimos fazer uma pergunta sobre o episódio de nepotismo no governo do Estado de São Paulo. Foi para medir sua isenção e comprometimento com boas práticas para publicar no Metrô e também na Folha.
Era uma pergunta que serviria para a matéria sobre nepotismo e, claro, para constar na entrevista de segunda. Eu não tinha que fazer perguntas para encher a bola do deputado e, sim, saber sobre seu mandato e sobre sua postura como líder do PSDB na cidade.
Por exemplo, por que votou a favor do Projeto do Código Florestal. Também por que um dos vereadores do PSDB na Câmara Municipal (são três) critica os gastos da Prefeitura de Guarulhos na tribuna e nos jornais locais, mas, ao mesmo tempo, distribui panfletos elogiando os CEUs e se associa à imagem do secretário de Educação, Moacir de Souza, que é do PT. É uma posição contraditória, pois para Carlos Roberto tudo o que é do PT é negativo…
Ele poderia ter se negado a responder, dizer que desconhecia o caso ou outra coisa qualquer. Mas, como se apresenta como paladino da ética, resolveu falar e criticou de forma veemente o Achilles e, indiretamente, seu colega de partido, o deputado licenciado José Aníbal, um dos pré-candidatos do PSDB à Prefeitura. Eu não o obriguei a falar nada. Me limitei a perguntar e ele disse o que pensava do adjunto do secretário. A entrevista com o Carlos Roberto foi, digamos, a gota que faltava para o copo transbordar.
Quer dizer então que houve pressão em função da sua primeira matéria, denunciando o nepotismo?
Sim, mas também recebi ligações de muitas pessoas elogiando a matéria e condenando a prática do nepotismo. Eu publiquei a reportagem também no meu blog, e é uma mais lidas até hoje.
O que acha que passou pela cabeça do Carlos Roberto? Que você estava perguntando sobre o nepotismo do adjunto do José Anibal só por perguntar?
Talvez não esteja acostumado com o jornalismo que eu, particularmente, e o Metrô News defendemos (ou defendia?). Talvez esteja acostumado a lidar com a própria assessoria de imprensa…Sei lá…
E como você soube da demissão? Quem te comunicou?
Eu fui demitido na quinta-feira, 7 de julho, mesmo dia em que a reportagem foi publicada.
Eu estava saindo da redação, que fica no terceiro andar, quando vi, de relance pelo vão da escada, o Carlos Roberto subir. A conversa nos corredores era tensa, ouvi eco de vozes, a dele se ouve de longe. O tom era de uma pessoa irada. Eu não tinha 100% de certeza de que fosse ele, apenas minha intuição indicava isso. Quando cheguei ao andar da diretoria [o primeiro], já haviam fechado as portas. Mais tarde, ao retornar, perguntei aos colegas sobre a visita e obtive a informação de que o Carlos Roberto estivera reunido com o diretor Orlando Reinas. Suspeitei do motivo. Era muita coincidência ele aparecer lá exatamente no dia que o Metrô News publicou a entrevista. Depois, o próprio pessoal da empresa começou a comentar. Quando cheguei à redação ouvi rumores, mas não dei muita importância.
Mais tarde o editor-responsável me chamou e informou da demissão e o motivo. Perguntei o que havia se passado, uma vez que estava pautado para fazer aquilo. Ele foi franco e explicou o que havia se passado, mas evitou dar muitos detalhes. Disse que também colocou o cargo à disposição, mas que não aceitaram a saída dele. Em outras palavras, o deputado queria, por assim dizer, beber do meu sangue. Provavelmente foi advertido no PSDB e precisava, como me disseram, dar satisfação ao tucanato.
Você já tinha vivido esse tipo de experiência?
Trabalhei em várias revistas, em outro jornal, nunca passei por situação como essa. Já tive problemas de outra natureza, já deixei uma redação importante para não pactuar com a formação de um “clube do Bolinha” e preservar uma pessoa com muitos anos de profissão que passava por um momento conturbado na vida, mas esse tipo de situação eu desconhecia. Sou jornalista há 11 anos. Na hora em que fui comunicado, pensei se tinha apurado mal a história, se tinha sido traído pela fonte, essas coisas… Quando vieram as primeiras palavras do editor-responsável, eu entendi o que tinha se passado.
Como foi a reação dos teus colegas de jornal?
De modo geral, foram muito solidários e ainda estão sendo. O meu editor disse que fez o que podia. Eu acredito.
Aliás, algumas pessoas têm me perguntado sobre o papel dele. Eu reflito e penso que ele teve um papel importante para democratizar a opinião de um veículo conhecido por suas posições conservadoras. Na campanha eleitoral do ano passado, ele abriu espaço para que tratássemos da questão do aborto que vinha sendo discutida por um outro viés.
Na ocasião, a grande imprensa servia de porta-voz para que o dom Luiz Gonzaga Bergonzini associasse a imagem de Dilma ao abortismo. Publicamos uma entrevista do tipo pingue-pongue com o bispo de Guarulhos e fizemos as perguntas que outros veículos não queriam ou não podiam publicar, tratamos do suposto aborto da esposa de José Serra. Enfim, demos outra abordagem ao tema.
O editor-responsável apoiou uma série de notícias que não seria publicada em tempos anteriores. Então não vou condená-lo. Acho que caímos na mesma areia movediça. Ele, como eu, acreditava, que tínhamos total liberdade editorial, o que se não se confirmou, mas também não foi nos deixado claro pela direção.
Trabalhei numa revista semanal que esses limites ficaram claros logo ao entrar. Embora não concordasse com a linha editorial, entendia a ideologia e tinha que aceitar ou deixar a redação. Por outros problemas sai de lá, mas a minha editora era muito justa, muito honesta, uma das melhores lembranças que tenho de lá. Foi um grande aprendizado. De volta aos tempos atuais, na Folha Metropolitana e Metrô News os nossos limites eram éticos, jornalísticos, às vezes técnicos pelo tamanho do jornal. Denunciamos muitas irregularidades, fizemos um grande trabalho.
E agora, o que pretende fazer?
Voltar a mandar currículo. Temo que essa exposição me cause problemas, mas sou muito honesto naquilo que faço. Então, imagino que deve ter algum lugar decente para um repórter honesto trabalhar.
Carlos Roberto é deputado hoje, mas pode não ser amanhã. Por exemplo, se o Walter Feldmann (sem partido, eleito pela coligação DEM/PSDB), que está em Londres, voltar, ele perde o posto.
Desde a academia, eu não tenho mais a ilusão de isenção total do veículo, mas acho que é preciso certa independência do jornal em relação à classe política. Não dá para fazer jornal cedendo a esse tipo de prática. E em Guarulhos isso é muito comum. Outros estiveram na redação para reclamar de notícias desfavoráveis. Nesse ano que fiquei no jornal, lembro de pelo menos quatro dessas visitas indesejadas, mas o editor-responsável sempre teve uma postura firme. Se não for assim, melhor fechar as portas, pois o nosso trabalho é o de produzir e entregar notícias com credibilidade.
Quais as lições da sua demissão injusta?
Na quinta-feira, meu filho de 6 anos me viu chegar mais cedo, abatido, e perguntou o que tinha acontecido. Eu respondi de forma que ele pudesse entender que, como nos desenhos, existem homens bons e maus. Prossegui dizendo que, embora não seja herói, estava fazendo a minha parte para que no futuro o mundo seja melhor para ele, os coleguinhas da escola e as demais crianças. Disse que um mau político rico havia repreendido meu chefe porque noticiamos o que ele pensava sobre um político amigo dele, que fazia coisas erradas para a sociedade. Aí, meu filho me surpreendeu com um discurso longo no qual dizia que essas pessoas é que fazem com que os amiguinhos de outras escolas pobres não tivessem comida, nem aula, nem nada…Foi assim mesmo, da forma mais simples. Aí, ele me encheu de emoção ao dizer: “Pai, estou muito orgulhoso de você”.
A lição é continuar sendo honesto, esteja em que veículo estiver. Vou continuar trabalhando da mesma forma para honrar minha família e jornalistas que me ensinaram muito, como Pier Luigi Cabra e Nehemias Vassão, que já partiram, e aos que estão conosco, como Antonio Assiz, William Araújo e Kátia Perin.
Não sei se a “doença” já está incorporada no DNA do PSDB ou se trata de “infecção” que às vezes se transmite entre tucanos, especialmente os de alta plumagem. O fato é que alguns adoram pedir aos patrões da mídia corporativa a cabeça de jornalistas que perguntam ou escrevem sobre fatos que lhes desagradam.
O ex-governador José Serra (PSDB-SP) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) são “mestres” nesse tipo de censura e estão fazendo escola. O deputado federal Carlos Roberto de Campos (PSDB-SP) é o mais novo “adepto”. Nessa quinta-feira, 7 de julho, ele pediu e conseguiu a demissão do jornalista Ricardo Gomez Filho, do jornal Metrô News, sediado em Guarulhos e que circula nas estações do metrô de São Paulo.
Há um mês Ricardo denunciou um caso de nepotismo na Secretaria de Estado da Energia, comandada por José Aníbal – deputado federal licenciado do PSDB-SP. Em maio, o adjunto dele, Ricardo Achilles, contratou o sobrinho Mateus Achilles Gomes para um cargo no departamento jurídico da Empresa Metropolitana de Águas e Esgoto (Emae), empresa subordinada à Secretaria.
Nessa semana, em entrevista agendada com o deputado Carlos Roberto de Campos para a Folha Metropolitana, Ricardo aproveitou a oportunidade e perguntou o que achava de Achilles ter contratado Gomes com o aval de José Aníbal. A Folha Metropolitana, outro jornal da empresa a que pertence o Metrô News, publica toda segunda-feira uma entrevista no formato pingue-pongue. A pergunta sobre nepotismo, que sairia de qualquer forma na segunda-feira, foi usada também em uma matéria para o Metrô News, da última quinta. O deputado Carlos Roberto é de Guarulhos.
Ricardo relembra: “Eu e o editor achamos oportuno questionar sobre nepotismo, já que Carlos Roberto vive criticando o governo federal e de outros estados, falando em ética, transparência, respeito, liberdade, essa coisa toda. Ele poderia ter se recusado a responder ou dizer que desconhecia o caso, mas optou por descer a lenha no colega de partido, e a matéria foi publicada”.
Ao tomar conhecimento da reportagem, Carlos Roberto foi à redação e exigiu que o diretor do Metrô News demitisse Ricardo. Conseguiu. O jornal cedeu à pressão. Na própria quinta-feira à tarde, Ricardo foi despedido:
“Eu estava saindo da redação, que fica no terceiro andar, quando vi, de relance pelo vão da escada, o Carlos Roberto subir. A conversa nos corredores era tensa, ouvi eco de vozes, a dele se ouve de longe. O tom era de uma pessoa irada. Eu não tinha 100% de certeza de que fosse ele, apenas minha intuição indicava isso. Quando cheguei ao andar da diretoria [o primeiro], já haviam fechado as portas. Mais tarde, ao retornar, perguntei aos colegas sobre a visita e obtive a informação de que o Carlos Roberto estivera reunido com o diretor Orlando Reinas. Suspeitei do motivo. Era muita coincidência ele aparecer lá exatamente no dia que o Metrô News publicou a entrevista. Depois, o próprio pessoal da empresa começou a comentar. Quando cheguei à redação ouvi rumores, mas não dei muita importância. Mais tarde fui chamado pelo editor-responsável que me informou da demissão e o motivo. O deputado queria, por assim dizer, beber do meu sangue. Provavelmente ele foi advertido no PSDB e precisava, como me disseram, dar satisfação ao tucanato”.
Ricardo foi fiel à verdade dos fatos. Tanto que a matéria não foi desmentida. Desde sexta-feira, um dia após a demissão, conversei com ele algumas vezes, para saber mais detalhes do que aconteceu.
Afinal, o que o Carlos Roberto disse que desagradou os tucanos?
O tempo todo ele se diz defensor da ética e da transparência. Eu relembrei-o desse discurso e, aí, perguntei o que achava de o Ricardo Achilles, adjunto do José Aníbal ter contratado o sobrinho Mateus Achilles Gomes para um cargo no departamento jurídico da Emae, empresa subordinada à Secretaria de Energia, com o aval do próprio secretário, que é o Anibal.
“Não concordo”, ele me respondeu. “Defendo a transparência, a ética, tanto que no meu gabinete você não vai encontrar nenhum parente meu.”
Campos afirmou que condena a prática de nepotismo independentemente de coloração partidária e a atitude do adjunto de Aníbal é “imperdoável”, uma vez que existem outros profissionais capacitados para o exercer o cargo.
“Eu condeno qualquer ação desse tipo”, prosseguiu. “Se ele [Achilles] contratou um sobrinho é porque quis proteger um parente. Isso é imperdoável.”
Você relatou exatamente o que ele disse?
Claro que sim. A pergunta foi direta e a resposta também.
Você tem a gravação ou anotações dessa conversa?
Sim, a gravação.
Quem é Carlos Roberto de Campos, além de deputado federal?
Na verdade, é presidente do diretório municipal do PSDB e foi o 7º suplente na coligação PSDB/DEM. Quando Rodrigo Garcia (DEM) assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, ele cedeu a vaga na Câmara dos Deputados a Carlos Roberto. É um empresário de Guarulhos com várias fábricas no Brasil, Estados Unidos e Eslováquia.
Campos é dado a resolver as coisas no grito, da forma mais grotesca, mais marcante, mais ostensiva. Resolveria a questão com um telefonema, mas quis dar uma carteirada e mostrar quem manda na cidade. Guarulhos é “repartida” entre várias famílias, e o Carlos Roberto é um dos “cotistas”. O jornal, infelizmente, sucumbiu e cedeu.
Gostaria que você detalhasse o caso do sobrinho do adjunto do secretário José Aníbal, já que está na origem da sua demissão.
Então vamos ao caso. O secretário-adjunto de Energia do Estado de São Paulo, Ricardo Achilles, contratou, no mês de maio, o advogado Mateus Achilles Gomes para ocupar um posto na Empresa Metropolitana de Águas e Esgoto (Emae) com salários perto de R$ 9 mil. Gomes é filho de uma irmã de Achilles.
A informação chegou ao jornal por meio de uma denúncia. Ao tomar conhecimento, levei o caso aos editores e fui autorizado a apurar. Liguei para a assessoria de imprensa da Secretária de Energia e Emae. A estatal confirmou a contratação, mas afirmou que a admissão era absolutamente regular.
Tentei uma entrevista com Achilles ou com Aníbal, mas a assessoria de imprensa negou. Como a contratação havia sido confirmada pela Emae, a matéria foi publicada com as justificativas contidas na nota da empresa.
No dia seguinte, encaminhei o arquivo digital da reportagem ao Ministério Público de São Paulo. Também ouvi o diretor da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, que nos assegurou se tratar de um caso de nepotismo e condenou a prática. Tentei falar com o governador, mas a assessoria de imprensa dele também negou a entrevista.
Dias depois, “forças ocultas” ligadas ao titular da pasta de Energia, José Aníbal, fizeram contato com a redação e pediram para “abafar” o caso. O editor-responsável, todavia, disse que íamos continuar noticiando, porque o fato estava confirmado e por termos dado esse furo. Ele assumiu essa frente e continuamos a noticiar, aguardando que o MP se manifestasse. O que ainda não aconteceu. E Gomes continua no cargo.
No início da semana, eu tinha uma entrevista agendada com o deputado federal Carlos Roberto para ser publicada na Folha Metropolitana, nesta segunda-feira, 11 de julho. Como o parlamentar vive falando em ética, transparência, respeito, liberdade, essa coisa toda, eu e o editor-responsável decidimos fazer uma pergunta sobre o episódio de nepotismo no governo do Estado de São Paulo. Foi para medir sua isenção e comprometimento com boas práticas para publicar no Metrô e também na Folha.
Era uma pergunta que serviria para a matéria sobre nepotismo e, claro, para constar na entrevista de segunda. Eu não tinha que fazer perguntas para encher a bola do deputado e, sim, saber sobre seu mandato e sobre sua postura como líder do PSDB na cidade.
Por exemplo, por que votou a favor do Projeto do Código Florestal. Também por que um dos vereadores do PSDB na Câmara Municipal (são três) critica os gastos da Prefeitura de Guarulhos na tribuna e nos jornais locais, mas, ao mesmo tempo, distribui panfletos elogiando os CEUs e se associa à imagem do secretário de Educação, Moacir de Souza, que é do PT. É uma posição contraditória, pois para Carlos Roberto tudo o que é do PT é negativo…
Ele poderia ter se negado a responder, dizer que desconhecia o caso ou outra coisa qualquer. Mas, como se apresenta como paladino da ética, resolveu falar e criticou de forma veemente o Achilles e, indiretamente, seu colega de partido, o deputado licenciado José Aníbal, um dos pré-candidatos do PSDB à Prefeitura. Eu não o obriguei a falar nada. Me limitei a perguntar e ele disse o que pensava do adjunto do secretário. A entrevista com o Carlos Roberto foi, digamos, a gota que faltava para o copo transbordar.
Quer dizer então que houve pressão em função da sua primeira matéria, denunciando o nepotismo?
Sim, mas também recebi ligações de muitas pessoas elogiando a matéria e condenando a prática do nepotismo. Eu publiquei a reportagem também no meu blog, e é uma mais lidas até hoje.
O que acha que passou pela cabeça do Carlos Roberto? Que você estava perguntando sobre o nepotismo do adjunto do José Anibal só por perguntar?
Talvez não esteja acostumado com o jornalismo que eu, particularmente, e o Metrô News defendemos (ou defendia?). Talvez esteja acostumado a lidar com a própria assessoria de imprensa…Sei lá…
E como você soube da demissão? Quem te comunicou?
Eu fui demitido na quinta-feira, 7 de julho, mesmo dia em que a reportagem foi publicada.
Eu estava saindo da redação, que fica no terceiro andar, quando vi, de relance pelo vão da escada, o Carlos Roberto subir. A conversa nos corredores era tensa, ouvi eco de vozes, a dele se ouve de longe. O tom era de uma pessoa irada. Eu não tinha 100% de certeza de que fosse ele, apenas minha intuição indicava isso. Quando cheguei ao andar da diretoria [o primeiro], já haviam fechado as portas. Mais tarde, ao retornar, perguntei aos colegas sobre a visita e obtive a informação de que o Carlos Roberto estivera reunido com o diretor Orlando Reinas. Suspeitei do motivo. Era muita coincidência ele aparecer lá exatamente no dia que o Metrô News publicou a entrevista. Depois, o próprio pessoal da empresa começou a comentar. Quando cheguei à redação ouvi rumores, mas não dei muita importância.
Mais tarde o editor-responsável me chamou e informou da demissão e o motivo. Perguntei o que havia se passado, uma vez que estava pautado para fazer aquilo. Ele foi franco e explicou o que havia se passado, mas evitou dar muitos detalhes. Disse que também colocou o cargo à disposição, mas que não aceitaram a saída dele. Em outras palavras, o deputado queria, por assim dizer, beber do meu sangue. Provavelmente foi advertido no PSDB e precisava, como me disseram, dar satisfação ao tucanato.
Você já tinha vivido esse tipo de experiência?
Trabalhei em várias revistas, em outro jornal, nunca passei por situação como essa. Já tive problemas de outra natureza, já deixei uma redação importante para não pactuar com a formação de um “clube do Bolinha” e preservar uma pessoa com muitos anos de profissão que passava por um momento conturbado na vida, mas esse tipo de situação eu desconhecia. Sou jornalista há 11 anos. Na hora em que fui comunicado, pensei se tinha apurado mal a história, se tinha sido traído pela fonte, essas coisas… Quando vieram as primeiras palavras do editor-responsável, eu entendi o que tinha se passado.
Como foi a reação dos teus colegas de jornal?
De modo geral, foram muito solidários e ainda estão sendo. O meu editor disse que fez o que podia. Eu acredito.
Aliás, algumas pessoas têm me perguntado sobre o papel dele. Eu reflito e penso que ele teve um papel importante para democratizar a opinião de um veículo conhecido por suas posições conservadoras. Na campanha eleitoral do ano passado, ele abriu espaço para que tratássemos da questão do aborto que vinha sendo discutida por um outro viés.
Na ocasião, a grande imprensa servia de porta-voz para que o dom Luiz Gonzaga Bergonzini associasse a imagem de Dilma ao abortismo. Publicamos uma entrevista do tipo pingue-pongue com o bispo de Guarulhos e fizemos as perguntas que outros veículos não queriam ou não podiam publicar, tratamos do suposto aborto da esposa de José Serra. Enfim, demos outra abordagem ao tema.
O editor-responsável apoiou uma série de notícias que não seria publicada em tempos anteriores. Então não vou condená-lo. Acho que caímos na mesma areia movediça. Ele, como eu, acreditava, que tínhamos total liberdade editorial, o que se não se confirmou, mas também não foi nos deixado claro pela direção.
Trabalhei numa revista semanal que esses limites ficaram claros logo ao entrar. Embora não concordasse com a linha editorial, entendia a ideologia e tinha que aceitar ou deixar a redação. Por outros problemas sai de lá, mas a minha editora era muito justa, muito honesta, uma das melhores lembranças que tenho de lá. Foi um grande aprendizado. De volta aos tempos atuais, na Folha Metropolitana e Metrô News os nossos limites eram éticos, jornalísticos, às vezes técnicos pelo tamanho do jornal. Denunciamos muitas irregularidades, fizemos um grande trabalho.
E agora, o que pretende fazer?
Voltar a mandar currículo. Temo que essa exposição me cause problemas, mas sou muito honesto naquilo que faço. Então, imagino que deve ter algum lugar decente para um repórter honesto trabalhar.
Carlos Roberto é deputado hoje, mas pode não ser amanhã. Por exemplo, se o Walter Feldmann (sem partido, eleito pela coligação DEM/PSDB), que está em Londres, voltar, ele perde o posto.
Desde a academia, eu não tenho mais a ilusão de isenção total do veículo, mas acho que é preciso certa independência do jornal em relação à classe política. Não dá para fazer jornal cedendo a esse tipo de prática. E em Guarulhos isso é muito comum. Outros estiveram na redação para reclamar de notícias desfavoráveis. Nesse ano que fiquei no jornal, lembro de pelo menos quatro dessas visitas indesejadas, mas o editor-responsável sempre teve uma postura firme. Se não for assim, melhor fechar as portas, pois o nosso trabalho é o de produzir e entregar notícias com credibilidade.
Quais as lições da sua demissão injusta?
Na quinta-feira, meu filho de 6 anos me viu chegar mais cedo, abatido, e perguntou o que tinha acontecido. Eu respondi de forma que ele pudesse entender que, como nos desenhos, existem homens bons e maus. Prossegui dizendo que, embora não seja herói, estava fazendo a minha parte para que no futuro o mundo seja melhor para ele, os coleguinhas da escola e as demais crianças. Disse que um mau político rico havia repreendido meu chefe porque noticiamos o que ele pensava sobre um político amigo dele, que fazia coisas erradas para a sociedade. Aí, meu filho me surpreendeu com um discurso longo no qual dizia que essas pessoas é que fazem com que os amiguinhos de outras escolas pobres não tivessem comida, nem aula, nem nada…Foi assim mesmo, da forma mais simples. Aí, ele me encheu de emoção ao dizer: “Pai, estou muito orgulhoso de você”.
A lição é continuar sendo honesto, esteja em que veículo estiver. Vou continuar trabalhando da mesma forma para honrar minha família e jornalistas que me ensinaram muito, como Pier Luigi Cabra e Nehemias Vassão, que já partiram, e aos que estão conosco, como Antonio Assiz, William Araújo e Kátia Perin.
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