Sergio Guizzardi
Humanismo, Imigração e desempenho institucional. Encontrei este relato que escrevi por ocasião dos estudos da Catedra Universitária "Humanismo Latino na Formação dos Aglomerados Produtivos no Espírito Santo", em 2005.
Julguei oportuno disponibilizar esta reflexão para o grupo.
Humanismo, Imigração e desempenho institucional.
Reflexos d’oltre mare.
Robert Putnam em seus estudos sobre o de...sempenho institucional e as tradições cívicas nas regiões italianas, no intuito de compreender o forte contraste entre os desempenhos alcançados pelas regiões setentrionais e meridionais, defende serem as transformações decorrentes da modernidade sócio-econômica, gerada pela revolução industrial, o princípio revelador da importância do grau de civismo para o desenvolvimento social, econômico e político da comunidade.
Assim, seu estudo constata que o “benessere” foi alcançado pelas regiões mais adiantadas da Itália, justamente as que mantiveram alto grau de civismo, vínculos horizontais de solidariedade e cooperação mútua. Coincidentemente, as regiões de proveniência da quase totalidade dos imigrantes italianos que colonizaram o Espírito Santo. Ao passo que, as regiões do sul, como Campanhia, Calábria e Basilicata, que historicamente mantiveram ao longo dos séculos características moldadas pelos vínculos verticais de clientelismo, dependência e exploração, amargam o atraso econômico e a desorganização social.
Neste artigo, pretendo evidenciar as distintas trajetórias experimentadas por dois diferentes grupos de imigrantes italianos no Espírito Santo: Os da imigração de massa, grande maioria com passagens gratuitas, contratada para colonizar as terras devolutas ou substituir a mão de obra na lavoura, provenientes das regiões cívicas do norte da Itália, em confronto com a trajetória de um outro grupo mais reduzido, formado por algumas famílias da região Basilicata, que vieram por conta própria, e chegaram cerca de 15/20 anos antes, trazendo um capital social próprio, moldado por valores adequados à sua superioridade sócio-econômico-cultural na terra de origem. Viajaram com a dignidade de quem pagou suas passagens. Este grupo se distingue sobretudo pelo seu modelo de inserção na sociedade capixaba, bem peculiar, envolvendo-se e cavando oportunidades planejadas de vínculos de parentesco com famílias locais tradicionais e estrategicamente detentoras do poder nas diversas instâncias, alcançando inclusive grande projeção na política, jurisprudência, artes e ciências. Eles chegaram antes, sabiam o quê queriam e onde encontrar: na região do Rio Pardo. E eles estavam certíssimos. Encontraram o ambiente ideal e prosperaram rapidamente.
São trajetórias que começaram diferentes e tomaram rumos próprios. a começar pela motivação da viagem, o estabelecimento e o posicionamento na sociedade e no mercado produtivo local. Do grupo da Basilicata, poucos permaneceram nas localidades iniciais. Prosperaram rapidamente e expandiram seus negócios para fora do estado, esquecendo os laços com as terras, e deixando para trás, sem hesitação, a comunidade e o ambiente. As suas relações eram prevalentemente verticais, formadas por pessoas ligadas entre elas por contatos assimétricos, hierárquicos, e de dependência uns dos outros.
Nossa análise apóia-se no capital social destes grupos, entendendo o capital social não apenas como sentimentos mornos, mas como uma variedade de benefícios específicos, que fluem da confiança, da reciprocidade, da informação e da cooperação, associadas com as redes sociais e com a criação dos valores para os povos. O capital social que pode ser encontrado nas redes de amizades, na vizinhança, nas escolas, igrejas, clubes e associações cívicas.
Esta visão de capital social a que nos apoiamos propriamente nesta análise, o considera como sendo o conjunto das associações horizontais entre as pessoas, das redes sociais consistentes e do conjunto de normas que exercem efeito sobre o rendimento e o bem estar da comunidade.
No âmbito da cátedra Cultura e Processo Produtivo – O Humanismo Latino na Formação dos Aglomerados Produtivos no Norte do Espírito Santo constatamos que o aumento da identidade e da solidariedade são incentivados pelas redes sociais, que atuam transformando a “cultura do eu” em “cultura do nós”. Entendemos ainda que o capital social inclui o ambiente social e político que modela a estrutura social e permite o desenvolvimento e a fixação das normas. Nossa análise estende a importância do capital social até as relações institucionais formalizadas e estruturais como o governo, regime político, as normas da lei, as liberdades civis e políticas.
Devemos considerar por outro lado, que grupos aparentemente semelhantes podem ser caracterizados por diferentes tipos de redes sociais. E também que naturalmente, as estruturas verticais e horizontais se interagem. Mas, no âmbito desta comparação, os aspectos entre as relações verticais e horizontais são bastante nítidos. E as coincidências com o trabalho de Putnam se tornam mais claras, quando tomamos a teoria da interação. Essa prevê, que o conjunto de ordem e desordem, de cooperação e oportunismo, dependem da rede de relações sociais pré-existentes. Sob este aspecto, os imigrantes da Basilicata encontraram no Rio Pardo uma estrutura completamente compatível com o capital social trazido, e assim prosperaram rapidamente. Essas famílias prosperaram, enquanto naqueles municípios, principalmente Iúna, Muniz Freire, praticamente no centro da região, o progresso comunitário, o desenvolvimento econômico e as suas instituições permaneceram estagnadas e o desempenho abaixo da média estadual. Esse quadro reafirma as análises de Putnam, se co-relacionamos o posicionamento da região da Basilicata em relação às Regiões cívicas do centro-Norte italiano, com o menor grau de desenvolvimento da região do Rio Pardo ( Salvo Venda Nova do Imigrante e castelo), em relação a outros municípios do Espírito Santo, ex núcleos coloniais antes desabitados, onde desde o início os imigrantes provenientes do Norte da Itália ficaram mais concentrados e menos sujeitos à submissão às redes sociais dominantes. Em localidades de Santa Tereza, Alfredo Chaves e Colatina, a distribuição da renda e o nivelamento social são muito mais homogêneos. As oportunidades de ascensão estavam ou não abertas a todos. A maioria absoluta pertencia ao mesmo nível social, e o bem estar e a qualidade de vida se desenvolveu mais horizontalmente, em nível coletivo.
Os imigrantes do Norte da Itália à medida que lotavam os Núcleos Coloniais, se espalharam por todo o Estado, ocupando os territórios a eles destinados, criando novas colônias, ou contratados para as fazendas dos luso-brasileiros. Durante toda a primeira metade do século passado, a grande maioria permaneceu com o seu potencial contido por detrás da estrutura de redes sociais verticalizadas fortemente amalgamada na esfera agrícola. Com a erradicação dos cafezais, na década de sessenta, começa uma nova era para a colônia de descendentes, com a transferência em massa para zonas urbanas. Mas, os valores e as características inerentes ao seu capital social mantiveram a sua evidência, antes e depois da erradicação dos cafezais. Antes, quando a grande maioria ocupava-se da agricultura, mais precisamente da monocultura do café. Os traços da cooperação horizontal eram salientados pela ajuda mútua na lavoura. A grande maioria possuía pequenas propriedades, de cultivo familiar, quando a vizinhança auxilia no plantio e na colheita, e participa também na preparação dos eventos sociais e religiosos, prática comum desde a idade média no centro-norte italiano, a chamada “aiutarella”. Depois da erradicação dos cafezais no Espírito Santo, houve um grande êxodo para a zona urbana e também para outros setores da produção. Enfim começava para estes o caminho da prosperidade, o “fazer a América”. Nas cidades, os pequenos negócios de comércio e indústria começaram a crescer apoiados na união e na ajuda mútua de parentes e amigos, mantendo os vínculos horizontais. Assim começou a formação dos importantes aglomerados produtivos, responsáveis pelo impulso econômico verificado nos nossos dias. Na década de 70 surgiram as primeiras empresas, que cresceram com a ajuda de familiares trazidos da agricultura. Na década de 80, muitos destes familiares trazidos para ajudar nos negócios dos parentes, fundaram também seus próprios negócios. Assim temos hoje os tantos aglomerados produtivos, como os pólos de confecções, de móveis, entre outros.
Uma rede vertical, não importa o quanto importante sejam as pessoas que fazem parte, não pode estimular a confiança e não pode sustentar a cooperação.
As normas que induzem à confiança na sociedade, se difundem na medida em que se abaixam os custos operativos e facilita-se a cooperação. A mais importante destas normas é a reciprocidade. Existem dois tipos de reciprocidades: as “específicas” e as “generalizadas”. As específicas referem-se a trocas simultâneas de artigos de valores equivalentes. As generalizadas, ao invés, referem-se a uma série contínua de relações de intercâmbios e interações, implicando que os favores serão retribuídos no futuro. “Perde a confiança quem esquece um favor recebido”. Essa reciprocidade generalizada é uma componente altamente produtiva do capital social.
A reciprocidade era a essência das associações medievais do Norte da Itália. Como Robert Putman observa, as tradições cívicas do Norte da Itália constituem um repertório de formas de colaboração, que se demonstraram válidas no passado e estão disponíveis ainda hoje para os cidadãos enfrentarem os novos problemas ligados à ação coletiva.
Os cidadãos das regiões cívicas encontram na própria tradição histórica, exemplos de colaboração horizontal que os facilitam atingir as soluções, enquanto nas regiões menos cívicas encontramos ao máximo as tradições verticais de súplica. Os bens que formam o capital social - confiança, costumes e as redes associativas – tendem a se auto-reforçarem e a produzirem um efeito cumulativo. Os círculos virtuosos têm como resultado equilíbrios sociais com outros níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, compromisso cívico e bem estar coletivo. São estas as componentes das comunidades cívicas do centro-norte da Itália trazidas ao Espírito Santo, na bagagem da grande massa de imigrantes.
Os imigrantes venetos, emilianos e lombardos que se transferiram para a Região do Rio Pardo na condição de agricultores subalternos, com o seu Capital Social apoiado em vínculos horizontais e senso cívico, passaram por um processo difícil de interação. Fora dos núcleos de Colonização, onde as famílias de imigrantes receberam seus lotes, depois de 30 anos, a grande maioria dos que avançaram para a região do Rio Pardo, assim como em outras regiões de grandes fazendas, como Cachoeiro de Itapemirim, Muqui, Mimoso do Sul, não tinham conquistado a posse da terra, segundo os registros do recenseamento agrícola realizado em 1920. Entretanto, o grupo de famílias italianas provenientes da Comune de Casteluccio Superiore, na região de Basilicata, sul da Itália - que aparece na análise de Putnam entre as de menor grau de civismo em toda a Itália, e também a região com um dos piores desempenhos institucional e econômico, onde inclusive o feudalismo foi mais resistente e deixou seu rastro até os nosso dias – já tinha prosperado, acumulavam fortunas, se projetavam na política e expandiam seus negócios. Essas famílias da Basilicata vieram por conta própria, cerca de quinze anos antes da primeira leva de imigrantes do norte da Itália. Tratavam-se de famílias dotadas de alto nível sócio cultural e econômico, que se transferiram para o Brasil devido à pressões políticas no local de origem
Os Imigrantes do norte da Itália foram submetidos às relações do clientelismo imposto pelo grupo dominante, formado pelos influentes fazendeiros brasileiros e as pioneiras famílias italianas da Basilicata, que tomaram as rédeas em todas as instituições: ensino, igreja, executivo, legislativo e judiciário, formando uma grande rede de influência na sociedade local.
Na condição de subalternos, nas comunidades capixabas formadas por imigrantes do Norte da Itália observavam-se traços do espírito de solidariedade, ajuda mútua e colaboração, seja na lavoura, seja na auto-proteção e sobrevivência, como na defesa e manutenção dos valores e tradições.
Da mesma forma, observava-se também uma ligação comum, que unia entre si os membros das famílias da Basilicata, compreendendo também famílias importantes de luso-brasileiros, sírios, franceses, libaneses, que embora em menor número, dispunham de prestígio político e status formando a elite de então. Mas, entendendo-se que, no convívio entre os agricultores venetos e emilianos, as relações se baseavam evidentemente na “reciprocidade”, enquanto entre o grupo de oriundos da Basilicata, a “reciprocidade” entre elas , assume mais os aspectos da troca de favores, trilhando os preceitos da “cumplicidade”.
Essa elite impunha sua rede de relações de clientelismo, que comportam também trocas de favores e obrigações recíprocas, mas as trocas se dão na vertical e as obrigações são assimétricas. É por isso Pitt-Rivers chama o clientelismo de “amizade desequilibrada”. Por outro lado, os laços verticais do clientelismo prejudicam as organizações de estruturas horizontais e a solidariedade seja entre patrões, como entre os clientes. Dois clientes ligados ao mesmo patrão, não havendo laços diretos entre eles, não há nada que os condicionem a uma renúncia ou ação recíproca, e também eles não têm nada a temer em relação a recíprocas formas de hostilidade ou indiferença. Esse quadro não dá condição para desenvolverem as regras da chamada “reciprocidade generalizada” e conseqüentemente, nenhum precedente de colaboração recíproca para se apoiarem. Se entre os membros dessa elite a reciprocidade se dá em nível de cumplicidade, na escala hierárquica, as relações entre patrões e clientes são caracterizadas pela dependência um do outro e não de reciprocidade. Assim, o oportunismo se faz cômodo tanto para o patrão, sob a forma de exploração, quanto para o cliente, sob a forma de evasão aos deveres, provocando uma inércia na estrutura da sociedade e estagnando a mobilidade social. Talvez aí esteja uma hipótese significativa para o entendimento dos obstáculos que contiveram o crescimento dos imigrantes venetos, emilianos e lombardos, assim como o da região do Rio Pardo.
A Colonização do Vale do Rio Pardo
O vale do Rio Pardo era uma Região montanhosa, de mata fechada e relevo acidentado. Um local de difícil acesso, ocupado por bandidos foragidos. Terra de ninguém, de desmandos, então muito temida. Inicialmente, era habitada pelos índios Purís, que andavam nus e se alimentavam da caça, pesca e cultivo de alguns produtos agrícolas. Em 1816, Don João VI ordenou a construção da estrada São Pedro de Alcântara, ligando o porto de Vitória à Vila Rica, em Minas Gerais. Foram construídos 3 quartéis na região do Rio Pardo, para manutenção da estrada e proteção dos viajantes: Quartel do Príncipe, Quartel de Santa Cruz e Quartel de Chaves, depois chamado de Quartel Rio Pardo que deu origem ao Arraial de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo, em torno da capela também de São Pedro de Alcântara, inaugurada em 1845, com a presença do Barão de Itapemirim. Em 1859, o arraial, onde hoje é a cidade de Iúna, foi elevado à categoria de freguesia e distrito de Vitória. Mais tarde pertenceu ao município de Viana e posteriormente a Cachoeiro de Itapemirim. A emancipação se deu com a promulgação da primeira constituição republicana, em 1890.
Aquela região era conhecida na corte do Império como “Sertão do Norte”, e abrangia a área correspondente, hoje, aos municípios de Castelo, Conceição de Castelo, Venda Nova, Muniz Freire, Iúna, Ibatiba e Irupi, no Espírito Santo, e Laginha, Chalé, Ipanema, Conceição de Ipanema e Mutum, em Minas Gerais . Os vínculos verticais da autocracia, do clientelismo e opressão encontravam-se amalgamados na herança cultural dos então moradores: famílias portuguesas de oficiais que lutaram na Guerra do Paraguai e foram recompensadas com sesmarias por Dom Pedro II, chegadas em 1865 e 1870.
Entre elas se destacavam as de Antonio da Silveira Lemos, Capitão João Inácio de Almeida, Capitão Quincas Nunes, Tenente Ambrósio Leite e a do capitão Antônio Rodrigues Justo. Cerca de 30 outras famílias de origem portuguesa, como Ribeiro, Ferreira, Almeida, Leite, Gonçalves, Moraes, Machado e Fonseca que vieram de Minas Gerais, assim como as espanholas Sales e Lopez.
Contemporaneamente a chegada das famílias do Norte da Itália, também vieram para a região famílias de outras nacionalidades como as suíças Montenor e Rocen; as alemãs Hubner, Emerick, Eller, Heringer, Von Radow; além da Lamy, de origem francesa. As de origem Árabe começaram a chegar a partir de 1920: Amim, Alcure, Abikahir, Mansur, Fadlalah, Mitler, Chequer Bou-Habib, Tanure, Cade, Deps e Bechepeche.
O clima de desmandos, medo e horror que pairava sobre a região do Rio Pardo, assim como detalhes de crimes bárbaros, são descritos no livro “O Tenente Evaristo”. “O Romance Maldito” como classificou o jornalista Levy Rocha, em reportagem publicada no jornal A Gazeta, de 14 de agosto de 1982.
Tive a oportunidade de lê-lo. Foi publicado sem nenhuma referência editorial. Não traz o nome do autor, nem data, nem editora, tamanha a seriedade dos fatos, adubados de sangue e violência. No entanto, sabe-se que foi escrito pelo advogado paranaense Ângelo Guarinelo, quando então advogava pelas comarcas do sul do Estado, e, em Iúna, exercia o cargo de coletor de impostos municipais.
Segundo apurou Levy Rocha em seu artigo, por volta de 1905, quando o autor presenteou um exemplar ao pai do historiador Joaquim Amorim, declarou que os personagens são reais, mas com nomes falseados. Embora um dos personagens faça acusações contra o presidente do Estado Muniz Freire. Mais tarde, em 1911, os crimes do Rio Pardo, descritos no livro, ganharam projeção nacional depois de gerar uma série de trocas de acusações entre o senador Bernardino Monteiro - em defesa do seu irmão Jerônimo Monteiro, candidato à presidência do Estado – e o também senador Muniz Freire, que mais tarde deu nome a um dos municípios da região.
Este livro misterioso fora lançado em 1904, lançado ao fogo propriamente dito, por duas famílias que se sentiram feridas em sua honra e dignidade. Nunca foi encontrado em livrarias. As pessoas que tiveram coragem de guardar um exemplar, o conservaram com avareza e discrição.
No decorrer dos relatos, o autor ataca também a magistratura capixaba, a igreja e o padre vilão de Rio Pardo; ou o promotor, que ele transforma em bufão no julgamento dos matadores do Tenente Evaristo. Em tempo, o Tenente Evaristo foi um foragido de Pernambuco e São Paulo, que ingressou na polícia capixaba e foi designado para “consertar a mata”. Começou por São Manoel de Mutum, fuzilando 7 pessoas e só parou quanto foi assassinado em uma tocaia. Os crimes na região tiveram origem na disputa de fronteiras e se estenderam, motivados pelas rixas de famílias, em defesa da “honra” e da disputa pelo poder.
De Cateluccio Superiore para o Rio Pardo
Voltando à 1872, quando a região era dividida em sesmarias de propriedade dos portugueses remanescentes da Guerra do Paraguai, chegavam os precursores da imigração italiana na região. Os irmãos Giuseppe e Raffaello D’ Amico. Segundo vários registros, eles alcançaram o Rio Pardo depois de investidas em busca de ouro em Minas Gerais, marcadas por insucessos e decepções. Ambos nasceram na comuna de Casteluccio Superiore. Naturalizaram-se brasileiros, mudaram os nomes para a grafia correspondente em português: José Maria e Raphael Maria de Amigo. Ali se estabeleceram. José casou-se com Petronilha Lacerda de Paula., filha de poderoso fazendeiro. Logo que se firmaram, mandaram vir os parentes e patrícios de Casteluccio. Primeiro vieram os homens, em 1875. Abriram as primeiras casas comerciais, compraram propriedades agrícolas e inseriram o cultivo do café, substituindo os da cana de açúcar e fumo. Em 1879, vieram os outros membros das famílias e de várias outras famílias ligadas por laços de parentesco. Uma rede de famílias da província de Potenza, Basilicata, lideradas no tronco principal pelas famílias Amigo, Vivacqua, De Biase e Lofiego:
Bazzarella, Canabarro, Carlomagno, Catalano, Chrispim, Conde, Labanca, Finamore, Galotti, Gioia, Mastrotti, Marino, Mignoni, Pagani, Pevidor, Poncio, Rossi, Scardini, Scussulini e Thiengo.
Castelluccio Superiore é uma pequena cidade de origem medieval. Segundo registros históricos surgiu da fixação no local de um antigo capitão lucano chamado Lucio, que construiu um castelo de quatro torres. Da denominação Castel di Lucio derivou-se o nome Castelluccio. O local foi feudo de diversas famílias feudais, entre as quais: Os Sanseverini, os Palmieri, os Cicinelli e os Pescara di Diano. Hoje possui cerca de 1.200 habitantes, numa área montanhosa, equivalente a 33 km2.
Apoiado na comunidade de parentes e patrícios de Casteluccio, José Maria de Amigo prosperou rapidamente constituindo seu poderio e fazendo grande fortuna com fazendas de café, comércio de cereais, gado, lojas de armarinho e tecidos, além de armazém de secos e molhados. Jose Maria foi o único italiano a fazer parte do primeiro Conselho de Intendência Municipal, instalado em 1891. Os outros integrantes eram todos luso-brasileiros: Venceslau Carvalho de Oliveira, Tenente Coronel Gabriel Norberto da Silva, Capitão João Osório Pereira e Antônio Carlos Rodrigues.
Segundo registros da historiadora Maria Stella Novais, o Sr José Amigo estava para se transferir para o Rio de Janeiro, em 1897, quando o Banco onde havia depositado a sua fortuna faliu, deixando grande perda. Assim ele vendeu as propriedades, em Iúna, e transferiu-se com a família para São João de Alfredo Chaves, onde recomeçou nos negócios, recuperou-se financeiramente e gozou a vida viajando para Europa e estações de águas em Araxá, Minas Gerais. Teve 12 filhos.
José Vivacqua foi um dos primeiros a atender ao chamado dos D’Amigo. Veio para o Brasil em 1873. Não diretamente para o Rio Pardo. Devido à febre amarela, ficou no Rio de janeiro para curar-se e ali permaneceu até 1878, quando veio para o Rio Pardo e ficou hóspede do “Coronel” Manoel Vieira Machado. Ali já se encontrava seu filho Domingos, que desde 1876 estava “impondo a ordem na região” a serviço dos Viera Machado, na Fazenda Santa Maria, em Muniz Freire, então Arraial do Espírito Santo do Rio Pardo. Ele “preparou o terreno” para então, em 1885 viajar para Casteluccio Superiore e buscar a esposa Margarida Mignoni Vivacqua, com os filhos Egidio, Brás, Jose e Filomena. O filho Antônio ficou na Itália estudando com os Beneditinos. Em Muniz Freire nasceram mais 4 filhos, Manoel, Mariarcangela, Pedro e Maria.
A filha Filomena casou-se com um filho do Coronel Vieira Machado garantindo grandes posses e prestígio para os descendentes. José Vivacqua se distingue no comércio de café e aos poucos a família foi acumulando fortunas e expandindo seus negócios para Castelo, Cachoeiro de Itapemirim, Vitória, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os filhos foram enviados aos melhores colégios e casaram-se em famílias da elite. O filho Antônio veio da Itália e casou-se com Etelvina Monteiro, de família bastante influente politicamente, berço de vários presidentes de Estado e Governadores. Seu filho Atílio Vivacqua foi senador e teria sido governador não fosse os escândalos, provocados pela Irmã Dora Vivacqua, de nome artístico Luz Del Fuego, que estava sob sua tutela e se lançou como dançarina. Se apresentava com 2 cobras e fundou o Partido do Nudismo, com sede na Ilha do Sol - conseguida através do ministro da marinha - que ficou conhecida internacionalmente e visitada por grandes astros e estrelas. Em seu livro “Trágico Black–Out”, publicou trechos comprometedores, como a sedução pelo cunhado e fatos alusivos a uma prostituição assumida. Attilio Vivacqua conseguiu comprar e queimar mais da metade da edição. Mais tarde publicou outro livro autobiográfico “A Verdade Nua”. Desta vez a família não precisou se preocupar porque as próprias autoridades deram sumiço no livro. Attilio comprava edições inteiras das revistas em que Luz Del Fuego aparecia, mas não adiantou e ele perdeu as eleições para governador. Luz Del Fuego tirava proveito da situação e quando precisava de dinheiro ameaçava dançar nua na escadaria do Senado. Chamada de chantagista, ela dizia que estava apenas cobrando a sua parte da herança paterna que os irmãos surrupiaram. Ela dizia que seu banco preferido era o Preconceito S.A. , de propriedade dos irmãos. Attilio Vivacqua foi homenageado na denominação do município homônimo, no sul do Estado.
Antônio Vivacqua, seu pai, foi assassinado em 1932, em Cachoeiro de Itapemirim, segundo conta a família por pessoas que ele haveria despejado de um dos seus inúmeros terrenos...
Na década de 1970, a família ainda gozava de grande influência política, tendo conseguido, segundo comenta-se na região, desviar o curso projetado para a BR 262, que liga Vitória a Belo Horizonte, para valorizar grande extensão de terras antes devolutas e então, de posse da família. No roteiro original, a BR 262 deveria descer em Conceição de Castelo e cortar o município de Muniz Freire. O novo traçado teria aumentado o percurso em cerca de 40 quilômetros.
Os Vivacqua se projetaram na política, no comércio e nas artes
O Patriarca Vicente De Biase já havia visitado o Brasil quatro vezes como turista, a primeira vez quando havia apenas 6 anos de idade, até fixar-se no Rio de Janeiro, onde abriu uma fabrica de massas alimentícias. Transferiu-se para o Rio Pardo e dedicou-se ao comércio desde ferramentas até roupas prontas. A família tinha tradição no comércio em Casteluccio Superiore. Veio com a esposa Teresa Rossi De Biase e os filhos Nicolau, Carmo, Vicente, e Maria Inês. O filho Pietrangelo ficou na Itália estudando no Seminário de Monte Cassino, até 1910, quando então veio definitivamente e casou-se com Mariana Vivacqua. O casal teve 9 filhos: Carmem, Margarida, Lícia, Lourdes, Terezinha, Maria Ignês, Ângela e Pedro. Todos estudaram e se formaram
Francesco Lofiego chegou em 1875, montou uma casa comercial e em 1879 buscou sua Mulher Rosa D’ Amico, trazendo também os primos das famílias Scardini e Poncio. O casal trouxe os filhos José, Brás e Nóbila, nascidos em Casteluccio. A primeira atividade da família foi o cultivo do café e o comércio. Os filhos casaram-se com brasileiras de famílias influentes na região os Afonso e Rodrigues de Paula, e a filha Nóbila casou-se com Domingos Vivacqua.
Lofiego Giuseppe, naturalizado brasileiro, José Antônio Lofiego ingressou na política. Foi o primeiro prefeito do município de Iuna. Tomou posse em 1914. Como já era intendente, administrou o município de 1905 a 1920. Foi ainda presidente da câmara, vereador e chefe político. Criou a Banda Musical Carlos Gomes; o teatro; o primeiro jornal, que se chamava “O Boato”; iluminou a rua principal da vila com lampiões a querosene, e construiu o prédio da prefeitura. Enviou os filhos para colégios conceituados e distantes.
Segundo descreve em seu livro “Eu me lembro” Celma Lofego Sobreira Gomes de Oliveira, seu avô José Antônio Lofiego não queria somente “se fazer” no Brasil, mas também influenciar na cultura do lugar. Sua avó Maricas instruía os filhos sobre trabalhos manuais, disciplina e religiosidade, enquanto seu avô se encarregava da educação e cultura, ensinando sobre música, dança, leitura, esportes, comidas, bebidas e convívio social.
Ele mandou trazer um piano da Itália, que veio de trem até Castelo e depois carregado nos ombros de 28 homens até Iuna, passando por Muniz Freire. As filhas estudaram no Colégio do Carmo e em Ponte Nova, Minas Gerais. Celma cita que além da alegria do conhecimento adquirido, ao investir fortemente na formação das filhas, Jose Antonio Lofiego dava a elas as condições necessárias para casarem-se com juristas conceituados.
Brás Lofiego também ingressou na política, assim como seus filhos. Foi o primeiro proprietário de veículo, em 1922, logo seguido pelo primo Coronel Pedro Scardini.
Em 1924, O jovem prefeito construiu em Rio Pardo, a primeira usina de energia elétrica do sul do Estado.
Os homens da família se destacaram no comércio, na política, no direito e na odontologia. Dentre eles, o Dr. Eliseu Lofiego que foi vereador e presidente da Câmara em Cachoeiro de Itapemirim, secretário de Estado do Interior e Negócios da Justiça. Destacou-se, em 1963, na negociação do acordo de fixação de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais e escreveu vários livros. O dentista Moacir Lofiego desenvolveu a técnica de anestesia truncular, conhecida como Técnica Lofêgo. Silvio Lofêgo foi deputado federal. Destacaram-se na família a poetisa Ofélia Lofêgo, a cantora Nara Lofêgo Leão e os cronistas Sergio Gonçalves Lofêgo, também promotor de justiça e Alda Lofêgo Monteiro de Castro, pintora conhecida internacionalmente.
Enfim, a trajetória destas famílias foram marcadas pelo sucesso econômico, político, financeiro e social. Na formação da sua rede de influências, conseguiram prosperar rapidamente com a penetração nos grupos dominantes e em intituições como igreja e poderes públicos judiciário, executivo e legislativo.
Enquanto a grande maioria dos imigrantes Venetos, Lombardos e Emilianos, só conseguiram realizar o sonho da propriedade da terra depois da erradicação dos cafezais, quando migraram para outros setores de atividade,para outras cidades, ou quando as famílias dominantes não se interessaram mais pelas suas grandes propriedades, e os herdeiros foram de desfazendo aos poucos de partes das fazendas e vendendo para sustentar seus padrões de vida, em muitos casos longe dali, em cidades maiores como Cachoeiro, Vitória e Rio de Janeiro. Os valores inerentes, ou criados pelos vínculos verticais contrapondo aos dos vínculos horizontais, provocaram um nítido efeito na cultura local. Ao mesmo tempo em que observamos na comunidade, uma grande propensão à concorrência e à disputa na afirmação do status, por outro lado se mostram fortes também os valores do humanismo, latino e cristão, como a solidariedade, principalmente emanados das classes populares. Ninguém passa frio ou fome, ninguém dorme ao relento. Mas, reafirma-se a distinção política, econômica e social, tornando difícil para os menos favorecidos, a mobilidade, a ascensão social e a penetração nos fechados grupos dominantes. Contudo, como detectou Putnam na análise do desempenho institucional da região Basilicata, da mesma forma, a herança deixada pela rede formada por grandes fazendeiros luso-brasileiros e as famílias dominantes provenientes daquela região do sul da Itália, influenciam, até os nossos dias, as relações de poder, a política baseada sobre o clientelismo e a bipolaridade, com a caracterização de 2 fortes grupos locais, aparentemente alheios à configuração partidária nacional, repercutindo negativamente no desempenho econômico e institucional da região. Confrontando as estatísticas e os índices dos municípios da região do Rio Pardo com o restante do Estado, notamos que os resultados destes só ganham dos municípios do noroeste do Estado, outra região que foi cenário de grandes disputas pela ocupação, onde prevaleceram também os desmandos e a dominação violenta de coronéis luso-brasileiros, embora sem o contato, a interferência e a assimilação de capital social externo, trazido por imigrantes de sociedades mais modernas.
Referências bibliográficas:
Putnam, Robert D – Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Robert D. Putnam, com Robert Leonardi e Raffaella Y. Nanetti; tradução Luiz Alberto Monjardim – Rio de janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas. 1996
Putnam, Robert D – La Tradizione Cívica Nelle Regioni Italiane. Editora Mondadori. Tradução de Noemi Messora.
Cristina Agostinho – Luz Del Fuego – A Bailarina do Povo, através do site www.memoriaviva.digi.com.b r/luzdelfuego/bio2.htm
Celma Lofêgo Sobreira Gomes de Oliveira – Eu me lembro... ( sem data e sem referência editoral)
Maria Stella de Novaes – Os Italianos e Seus Descendentes no Espírito Santo. Governo do Estado do espírito Santo. Coordenação estadual do Planejamento. Instituto Jones dos Santos Neves. Vitória. Gráfica Artgraf. 1980.
Ângelo Guarinelo - O Tenente Evaristo . Publicado em 1904 sem referências editoriais
Levy Rocha – O Tenente Evaristo. Um Romance maldito. Matéria publicada no Jornal A Gazeta do Espírito Santo em 4 de agosto de 1982.
Ducumentos vários e depoimentos relacionados aos municípios de Iúna e Muniz Freire.
Entrevistas Diversas.
Humanismo, Imigração e desempenho institucional. Encontrei este relato que escrevi por ocasião dos estudos da Catedra Universitária "Humanismo Latino na Formação dos Aglomerados Produtivos no Espírito Santo", em 2005.
Julguei oportuno disponibilizar esta reflexão para o grupo.
Humanismo, Imigração e desempenho institucional.
Reflexos d’oltre mare.
Robert Putnam em seus estudos sobre o de...sempenho institucional e as tradições cívicas nas regiões italianas, no intuito de compreender o forte contraste entre os desempenhos alcançados pelas regiões setentrionais e meridionais, defende serem as transformações decorrentes da modernidade sócio-econômica, gerada pela revolução industrial, o princípio revelador da importância do grau de civismo para o desenvolvimento social, econômico e político da comunidade.
Assim, seu estudo constata que o “benessere” foi alcançado pelas regiões mais adiantadas da Itália, justamente as que mantiveram alto grau de civismo, vínculos horizontais de solidariedade e cooperação mútua. Coincidentemente, as regiões de proveniência da quase totalidade dos imigrantes italianos que colonizaram o Espírito Santo. Ao passo que, as regiões do sul, como Campanhia, Calábria e Basilicata, que historicamente mantiveram ao longo dos séculos características moldadas pelos vínculos verticais de clientelismo, dependência e exploração, amargam o atraso econômico e a desorganização social.
Neste artigo, pretendo evidenciar as distintas trajetórias experimentadas por dois diferentes grupos de imigrantes italianos no Espírito Santo: Os da imigração de massa, grande maioria com passagens gratuitas, contratada para colonizar as terras devolutas ou substituir a mão de obra na lavoura, provenientes das regiões cívicas do norte da Itália, em confronto com a trajetória de um outro grupo mais reduzido, formado por algumas famílias da região Basilicata, que vieram por conta própria, e chegaram cerca de 15/20 anos antes, trazendo um capital social próprio, moldado por valores adequados à sua superioridade sócio-econômico-cultural na terra de origem. Viajaram com a dignidade de quem pagou suas passagens. Este grupo se distingue sobretudo pelo seu modelo de inserção na sociedade capixaba, bem peculiar, envolvendo-se e cavando oportunidades planejadas de vínculos de parentesco com famílias locais tradicionais e estrategicamente detentoras do poder nas diversas instâncias, alcançando inclusive grande projeção na política, jurisprudência, artes e ciências. Eles chegaram antes, sabiam o quê queriam e onde encontrar: na região do Rio Pardo. E eles estavam certíssimos. Encontraram o ambiente ideal e prosperaram rapidamente.
São trajetórias que começaram diferentes e tomaram rumos próprios. a começar pela motivação da viagem, o estabelecimento e o posicionamento na sociedade e no mercado produtivo local. Do grupo da Basilicata, poucos permaneceram nas localidades iniciais. Prosperaram rapidamente e expandiram seus negócios para fora do estado, esquecendo os laços com as terras, e deixando para trás, sem hesitação, a comunidade e o ambiente. As suas relações eram prevalentemente verticais, formadas por pessoas ligadas entre elas por contatos assimétricos, hierárquicos, e de dependência uns dos outros.
Nossa análise apóia-se no capital social destes grupos, entendendo o capital social não apenas como sentimentos mornos, mas como uma variedade de benefícios específicos, que fluem da confiança, da reciprocidade, da informação e da cooperação, associadas com as redes sociais e com a criação dos valores para os povos. O capital social que pode ser encontrado nas redes de amizades, na vizinhança, nas escolas, igrejas, clubes e associações cívicas.
Esta visão de capital social a que nos apoiamos propriamente nesta análise, o considera como sendo o conjunto das associações horizontais entre as pessoas, das redes sociais consistentes e do conjunto de normas que exercem efeito sobre o rendimento e o bem estar da comunidade.
No âmbito da cátedra Cultura e Processo Produtivo – O Humanismo Latino na Formação dos Aglomerados Produtivos no Norte do Espírito Santo constatamos que o aumento da identidade e da solidariedade são incentivados pelas redes sociais, que atuam transformando a “cultura do eu” em “cultura do nós”. Entendemos ainda que o capital social inclui o ambiente social e político que modela a estrutura social e permite o desenvolvimento e a fixação das normas. Nossa análise estende a importância do capital social até as relações institucionais formalizadas e estruturais como o governo, regime político, as normas da lei, as liberdades civis e políticas.
Devemos considerar por outro lado, que grupos aparentemente semelhantes podem ser caracterizados por diferentes tipos de redes sociais. E também que naturalmente, as estruturas verticais e horizontais se interagem. Mas, no âmbito desta comparação, os aspectos entre as relações verticais e horizontais são bastante nítidos. E as coincidências com o trabalho de Putnam se tornam mais claras, quando tomamos a teoria da interação. Essa prevê, que o conjunto de ordem e desordem, de cooperação e oportunismo, dependem da rede de relações sociais pré-existentes. Sob este aspecto, os imigrantes da Basilicata encontraram no Rio Pardo uma estrutura completamente compatível com o capital social trazido, e assim prosperaram rapidamente. Essas famílias prosperaram, enquanto naqueles municípios, principalmente Iúna, Muniz Freire, praticamente no centro da região, o progresso comunitário, o desenvolvimento econômico e as suas instituições permaneceram estagnadas e o desempenho abaixo da média estadual. Esse quadro reafirma as análises de Putnam, se co-relacionamos o posicionamento da região da Basilicata em relação às Regiões cívicas do centro-Norte italiano, com o menor grau de desenvolvimento da região do Rio Pardo ( Salvo Venda Nova do Imigrante e castelo), em relação a outros municípios do Espírito Santo, ex núcleos coloniais antes desabitados, onde desde o início os imigrantes provenientes do Norte da Itália ficaram mais concentrados e menos sujeitos à submissão às redes sociais dominantes. Em localidades de Santa Tereza, Alfredo Chaves e Colatina, a distribuição da renda e o nivelamento social são muito mais homogêneos. As oportunidades de ascensão estavam ou não abertas a todos. A maioria absoluta pertencia ao mesmo nível social, e o bem estar e a qualidade de vida se desenvolveu mais horizontalmente, em nível coletivo.
Os imigrantes do Norte da Itália à medida que lotavam os Núcleos Coloniais, se espalharam por todo o Estado, ocupando os territórios a eles destinados, criando novas colônias, ou contratados para as fazendas dos luso-brasileiros. Durante toda a primeira metade do século passado, a grande maioria permaneceu com o seu potencial contido por detrás da estrutura de redes sociais verticalizadas fortemente amalgamada na esfera agrícola. Com a erradicação dos cafezais, na década de sessenta, começa uma nova era para a colônia de descendentes, com a transferência em massa para zonas urbanas. Mas, os valores e as características inerentes ao seu capital social mantiveram a sua evidência, antes e depois da erradicação dos cafezais. Antes, quando a grande maioria ocupava-se da agricultura, mais precisamente da monocultura do café. Os traços da cooperação horizontal eram salientados pela ajuda mútua na lavoura. A grande maioria possuía pequenas propriedades, de cultivo familiar, quando a vizinhança auxilia no plantio e na colheita, e participa também na preparação dos eventos sociais e religiosos, prática comum desde a idade média no centro-norte italiano, a chamada “aiutarella”. Depois da erradicação dos cafezais no Espírito Santo, houve um grande êxodo para a zona urbana e também para outros setores da produção. Enfim começava para estes o caminho da prosperidade, o “fazer a América”. Nas cidades, os pequenos negócios de comércio e indústria começaram a crescer apoiados na união e na ajuda mútua de parentes e amigos, mantendo os vínculos horizontais. Assim começou a formação dos importantes aglomerados produtivos, responsáveis pelo impulso econômico verificado nos nossos dias. Na década de 70 surgiram as primeiras empresas, que cresceram com a ajuda de familiares trazidos da agricultura. Na década de 80, muitos destes familiares trazidos para ajudar nos negócios dos parentes, fundaram também seus próprios negócios. Assim temos hoje os tantos aglomerados produtivos, como os pólos de confecções, de móveis, entre outros.
Uma rede vertical, não importa o quanto importante sejam as pessoas que fazem parte, não pode estimular a confiança e não pode sustentar a cooperação.
As normas que induzem à confiança na sociedade, se difundem na medida em que se abaixam os custos operativos e facilita-se a cooperação. A mais importante destas normas é a reciprocidade. Existem dois tipos de reciprocidades: as “específicas” e as “generalizadas”. As específicas referem-se a trocas simultâneas de artigos de valores equivalentes. As generalizadas, ao invés, referem-se a uma série contínua de relações de intercâmbios e interações, implicando que os favores serão retribuídos no futuro. “Perde a confiança quem esquece um favor recebido”. Essa reciprocidade generalizada é uma componente altamente produtiva do capital social.
A reciprocidade era a essência das associações medievais do Norte da Itália. Como Robert Putman observa, as tradições cívicas do Norte da Itália constituem um repertório de formas de colaboração, que se demonstraram válidas no passado e estão disponíveis ainda hoje para os cidadãos enfrentarem os novos problemas ligados à ação coletiva.
Os cidadãos das regiões cívicas encontram na própria tradição histórica, exemplos de colaboração horizontal que os facilitam atingir as soluções, enquanto nas regiões menos cívicas encontramos ao máximo as tradições verticais de súplica. Os bens que formam o capital social - confiança, costumes e as redes associativas – tendem a se auto-reforçarem e a produzirem um efeito cumulativo. Os círculos virtuosos têm como resultado equilíbrios sociais com outros níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, compromisso cívico e bem estar coletivo. São estas as componentes das comunidades cívicas do centro-norte da Itália trazidas ao Espírito Santo, na bagagem da grande massa de imigrantes.
Os imigrantes venetos, emilianos e lombardos que se transferiram para a Região do Rio Pardo na condição de agricultores subalternos, com o seu Capital Social apoiado em vínculos horizontais e senso cívico, passaram por um processo difícil de interação. Fora dos núcleos de Colonização, onde as famílias de imigrantes receberam seus lotes, depois de 30 anos, a grande maioria dos que avançaram para a região do Rio Pardo, assim como em outras regiões de grandes fazendas, como Cachoeiro de Itapemirim, Muqui, Mimoso do Sul, não tinham conquistado a posse da terra, segundo os registros do recenseamento agrícola realizado em 1920. Entretanto, o grupo de famílias italianas provenientes da Comune de Casteluccio Superiore, na região de Basilicata, sul da Itália - que aparece na análise de Putnam entre as de menor grau de civismo em toda a Itália, e também a região com um dos piores desempenhos institucional e econômico, onde inclusive o feudalismo foi mais resistente e deixou seu rastro até os nosso dias – já tinha prosperado, acumulavam fortunas, se projetavam na política e expandiam seus negócios. Essas famílias da Basilicata vieram por conta própria, cerca de quinze anos antes da primeira leva de imigrantes do norte da Itália. Tratavam-se de famílias dotadas de alto nível sócio cultural e econômico, que se transferiram para o Brasil devido à pressões políticas no local de origem
Os Imigrantes do norte da Itália foram submetidos às relações do clientelismo imposto pelo grupo dominante, formado pelos influentes fazendeiros brasileiros e as pioneiras famílias italianas da Basilicata, que tomaram as rédeas em todas as instituições: ensino, igreja, executivo, legislativo e judiciário, formando uma grande rede de influência na sociedade local.
Na condição de subalternos, nas comunidades capixabas formadas por imigrantes do Norte da Itália observavam-se traços do espírito de solidariedade, ajuda mútua e colaboração, seja na lavoura, seja na auto-proteção e sobrevivência, como na defesa e manutenção dos valores e tradições.
Da mesma forma, observava-se também uma ligação comum, que unia entre si os membros das famílias da Basilicata, compreendendo também famílias importantes de luso-brasileiros, sírios, franceses, libaneses, que embora em menor número, dispunham de prestígio político e status formando a elite de então. Mas, entendendo-se que, no convívio entre os agricultores venetos e emilianos, as relações se baseavam evidentemente na “reciprocidade”, enquanto entre o grupo de oriundos da Basilicata, a “reciprocidade” entre elas , assume mais os aspectos da troca de favores, trilhando os preceitos da “cumplicidade”.
Essa elite impunha sua rede de relações de clientelismo, que comportam também trocas de favores e obrigações recíprocas, mas as trocas se dão na vertical e as obrigações são assimétricas. É por isso Pitt-Rivers chama o clientelismo de “amizade desequilibrada”. Por outro lado, os laços verticais do clientelismo prejudicam as organizações de estruturas horizontais e a solidariedade seja entre patrões, como entre os clientes. Dois clientes ligados ao mesmo patrão, não havendo laços diretos entre eles, não há nada que os condicionem a uma renúncia ou ação recíproca, e também eles não têm nada a temer em relação a recíprocas formas de hostilidade ou indiferença. Esse quadro não dá condição para desenvolverem as regras da chamada “reciprocidade generalizada” e conseqüentemente, nenhum precedente de colaboração recíproca para se apoiarem. Se entre os membros dessa elite a reciprocidade se dá em nível de cumplicidade, na escala hierárquica, as relações entre patrões e clientes são caracterizadas pela dependência um do outro e não de reciprocidade. Assim, o oportunismo se faz cômodo tanto para o patrão, sob a forma de exploração, quanto para o cliente, sob a forma de evasão aos deveres, provocando uma inércia na estrutura da sociedade e estagnando a mobilidade social. Talvez aí esteja uma hipótese significativa para o entendimento dos obstáculos que contiveram o crescimento dos imigrantes venetos, emilianos e lombardos, assim como o da região do Rio Pardo.
A Colonização do Vale do Rio Pardo
O vale do Rio Pardo era uma Região montanhosa, de mata fechada e relevo acidentado. Um local de difícil acesso, ocupado por bandidos foragidos. Terra de ninguém, de desmandos, então muito temida. Inicialmente, era habitada pelos índios Purís, que andavam nus e se alimentavam da caça, pesca e cultivo de alguns produtos agrícolas. Em 1816, Don João VI ordenou a construção da estrada São Pedro de Alcântara, ligando o porto de Vitória à Vila Rica, em Minas Gerais. Foram construídos 3 quartéis na região do Rio Pardo, para manutenção da estrada e proteção dos viajantes: Quartel do Príncipe, Quartel de Santa Cruz e Quartel de Chaves, depois chamado de Quartel Rio Pardo que deu origem ao Arraial de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo, em torno da capela também de São Pedro de Alcântara, inaugurada em 1845, com a presença do Barão de Itapemirim. Em 1859, o arraial, onde hoje é a cidade de Iúna, foi elevado à categoria de freguesia e distrito de Vitória. Mais tarde pertenceu ao município de Viana e posteriormente a Cachoeiro de Itapemirim. A emancipação se deu com a promulgação da primeira constituição republicana, em 1890.
Aquela região era conhecida na corte do Império como “Sertão do Norte”, e abrangia a área correspondente, hoje, aos municípios de Castelo, Conceição de Castelo, Venda Nova, Muniz Freire, Iúna, Ibatiba e Irupi, no Espírito Santo, e Laginha, Chalé, Ipanema, Conceição de Ipanema e Mutum, em Minas Gerais . Os vínculos verticais da autocracia, do clientelismo e opressão encontravam-se amalgamados na herança cultural dos então moradores: famílias portuguesas de oficiais que lutaram na Guerra do Paraguai e foram recompensadas com sesmarias por Dom Pedro II, chegadas em 1865 e 1870.
Entre elas se destacavam as de Antonio da Silveira Lemos, Capitão João Inácio de Almeida, Capitão Quincas Nunes, Tenente Ambrósio Leite e a do capitão Antônio Rodrigues Justo. Cerca de 30 outras famílias de origem portuguesa, como Ribeiro, Ferreira, Almeida, Leite, Gonçalves, Moraes, Machado e Fonseca que vieram de Minas Gerais, assim como as espanholas Sales e Lopez.
Contemporaneamente a chegada das famílias do Norte da Itália, também vieram para a região famílias de outras nacionalidades como as suíças Montenor e Rocen; as alemãs Hubner, Emerick, Eller, Heringer, Von Radow; além da Lamy, de origem francesa. As de origem Árabe começaram a chegar a partir de 1920: Amim, Alcure, Abikahir, Mansur, Fadlalah, Mitler, Chequer Bou-Habib, Tanure, Cade, Deps e Bechepeche.
O clima de desmandos, medo e horror que pairava sobre a região do Rio Pardo, assim como detalhes de crimes bárbaros, são descritos no livro “O Tenente Evaristo”. “O Romance Maldito” como classificou o jornalista Levy Rocha, em reportagem publicada no jornal A Gazeta, de 14 de agosto de 1982.
Tive a oportunidade de lê-lo. Foi publicado sem nenhuma referência editorial. Não traz o nome do autor, nem data, nem editora, tamanha a seriedade dos fatos, adubados de sangue e violência. No entanto, sabe-se que foi escrito pelo advogado paranaense Ângelo Guarinelo, quando então advogava pelas comarcas do sul do Estado, e, em Iúna, exercia o cargo de coletor de impostos municipais.
Segundo apurou Levy Rocha em seu artigo, por volta de 1905, quando o autor presenteou um exemplar ao pai do historiador Joaquim Amorim, declarou que os personagens são reais, mas com nomes falseados. Embora um dos personagens faça acusações contra o presidente do Estado Muniz Freire. Mais tarde, em 1911, os crimes do Rio Pardo, descritos no livro, ganharam projeção nacional depois de gerar uma série de trocas de acusações entre o senador Bernardino Monteiro - em defesa do seu irmão Jerônimo Monteiro, candidato à presidência do Estado – e o também senador Muniz Freire, que mais tarde deu nome a um dos municípios da região.
Este livro misterioso fora lançado em 1904, lançado ao fogo propriamente dito, por duas famílias que se sentiram feridas em sua honra e dignidade. Nunca foi encontrado em livrarias. As pessoas que tiveram coragem de guardar um exemplar, o conservaram com avareza e discrição.
No decorrer dos relatos, o autor ataca também a magistratura capixaba, a igreja e o padre vilão de Rio Pardo; ou o promotor, que ele transforma em bufão no julgamento dos matadores do Tenente Evaristo. Em tempo, o Tenente Evaristo foi um foragido de Pernambuco e São Paulo, que ingressou na polícia capixaba e foi designado para “consertar a mata”. Começou por São Manoel de Mutum, fuzilando 7 pessoas e só parou quanto foi assassinado em uma tocaia. Os crimes na região tiveram origem na disputa de fronteiras e se estenderam, motivados pelas rixas de famílias, em defesa da “honra” e da disputa pelo poder.
De Cateluccio Superiore para o Rio Pardo
Voltando à 1872, quando a região era dividida em sesmarias de propriedade dos portugueses remanescentes da Guerra do Paraguai, chegavam os precursores da imigração italiana na região. Os irmãos Giuseppe e Raffaello D’ Amico. Segundo vários registros, eles alcançaram o Rio Pardo depois de investidas em busca de ouro em Minas Gerais, marcadas por insucessos e decepções. Ambos nasceram na comuna de Casteluccio Superiore. Naturalizaram-se brasileiros, mudaram os nomes para a grafia correspondente em português: José Maria e Raphael Maria de Amigo. Ali se estabeleceram. José casou-se com Petronilha Lacerda de Paula., filha de poderoso fazendeiro. Logo que se firmaram, mandaram vir os parentes e patrícios de Casteluccio. Primeiro vieram os homens, em 1875. Abriram as primeiras casas comerciais, compraram propriedades agrícolas e inseriram o cultivo do café, substituindo os da cana de açúcar e fumo. Em 1879, vieram os outros membros das famílias e de várias outras famílias ligadas por laços de parentesco. Uma rede de famílias da província de Potenza, Basilicata, lideradas no tronco principal pelas famílias Amigo, Vivacqua, De Biase e Lofiego:
Bazzarella, Canabarro, Carlomagno, Catalano, Chrispim, Conde, Labanca, Finamore, Galotti, Gioia, Mastrotti, Marino, Mignoni, Pagani, Pevidor, Poncio, Rossi, Scardini, Scussulini e Thiengo.
Castelluccio Superiore é uma pequena cidade de origem medieval. Segundo registros históricos surgiu da fixação no local de um antigo capitão lucano chamado Lucio, que construiu um castelo de quatro torres. Da denominação Castel di Lucio derivou-se o nome Castelluccio. O local foi feudo de diversas famílias feudais, entre as quais: Os Sanseverini, os Palmieri, os Cicinelli e os Pescara di Diano. Hoje possui cerca de 1.200 habitantes, numa área montanhosa, equivalente a 33 km2.
Apoiado na comunidade de parentes e patrícios de Casteluccio, José Maria de Amigo prosperou rapidamente constituindo seu poderio e fazendo grande fortuna com fazendas de café, comércio de cereais, gado, lojas de armarinho e tecidos, além de armazém de secos e molhados. Jose Maria foi o único italiano a fazer parte do primeiro Conselho de Intendência Municipal, instalado em 1891. Os outros integrantes eram todos luso-brasileiros: Venceslau Carvalho de Oliveira, Tenente Coronel Gabriel Norberto da Silva, Capitão João Osório Pereira e Antônio Carlos Rodrigues.
Segundo registros da historiadora Maria Stella Novais, o Sr José Amigo estava para se transferir para o Rio de Janeiro, em 1897, quando o Banco onde havia depositado a sua fortuna faliu, deixando grande perda. Assim ele vendeu as propriedades, em Iúna, e transferiu-se com a família para São João de Alfredo Chaves, onde recomeçou nos negócios, recuperou-se financeiramente e gozou a vida viajando para Europa e estações de águas em Araxá, Minas Gerais. Teve 12 filhos.
José Vivacqua foi um dos primeiros a atender ao chamado dos D’Amigo. Veio para o Brasil em 1873. Não diretamente para o Rio Pardo. Devido à febre amarela, ficou no Rio de janeiro para curar-se e ali permaneceu até 1878, quando veio para o Rio Pardo e ficou hóspede do “Coronel” Manoel Vieira Machado. Ali já se encontrava seu filho Domingos, que desde 1876 estava “impondo a ordem na região” a serviço dos Viera Machado, na Fazenda Santa Maria, em Muniz Freire, então Arraial do Espírito Santo do Rio Pardo. Ele “preparou o terreno” para então, em 1885 viajar para Casteluccio Superiore e buscar a esposa Margarida Mignoni Vivacqua, com os filhos Egidio, Brás, Jose e Filomena. O filho Antônio ficou na Itália estudando com os Beneditinos. Em Muniz Freire nasceram mais 4 filhos, Manoel, Mariarcangela, Pedro e Maria.
A filha Filomena casou-se com um filho do Coronel Vieira Machado garantindo grandes posses e prestígio para os descendentes. José Vivacqua se distingue no comércio de café e aos poucos a família foi acumulando fortunas e expandindo seus negócios para Castelo, Cachoeiro de Itapemirim, Vitória, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os filhos foram enviados aos melhores colégios e casaram-se em famílias da elite. O filho Antônio veio da Itália e casou-se com Etelvina Monteiro, de família bastante influente politicamente, berço de vários presidentes de Estado e Governadores. Seu filho Atílio Vivacqua foi senador e teria sido governador não fosse os escândalos, provocados pela Irmã Dora Vivacqua, de nome artístico Luz Del Fuego, que estava sob sua tutela e se lançou como dançarina. Se apresentava com 2 cobras e fundou o Partido do Nudismo, com sede na Ilha do Sol - conseguida através do ministro da marinha - que ficou conhecida internacionalmente e visitada por grandes astros e estrelas. Em seu livro “Trágico Black–Out”, publicou trechos comprometedores, como a sedução pelo cunhado e fatos alusivos a uma prostituição assumida. Attilio Vivacqua conseguiu comprar e queimar mais da metade da edição. Mais tarde publicou outro livro autobiográfico “A Verdade Nua”. Desta vez a família não precisou se preocupar porque as próprias autoridades deram sumiço no livro. Attilio comprava edições inteiras das revistas em que Luz Del Fuego aparecia, mas não adiantou e ele perdeu as eleições para governador. Luz Del Fuego tirava proveito da situação e quando precisava de dinheiro ameaçava dançar nua na escadaria do Senado. Chamada de chantagista, ela dizia que estava apenas cobrando a sua parte da herança paterna que os irmãos surrupiaram. Ela dizia que seu banco preferido era o Preconceito S.A. , de propriedade dos irmãos. Attilio Vivacqua foi homenageado na denominação do município homônimo, no sul do Estado.
Antônio Vivacqua, seu pai, foi assassinado em 1932, em Cachoeiro de Itapemirim, segundo conta a família por pessoas que ele haveria despejado de um dos seus inúmeros terrenos...
Na década de 1970, a família ainda gozava de grande influência política, tendo conseguido, segundo comenta-se na região, desviar o curso projetado para a BR 262, que liga Vitória a Belo Horizonte, para valorizar grande extensão de terras antes devolutas e então, de posse da família. No roteiro original, a BR 262 deveria descer em Conceição de Castelo e cortar o município de Muniz Freire. O novo traçado teria aumentado o percurso em cerca de 40 quilômetros.
Os Vivacqua se projetaram na política, no comércio e nas artes
O Patriarca Vicente De Biase já havia visitado o Brasil quatro vezes como turista, a primeira vez quando havia apenas 6 anos de idade, até fixar-se no Rio de Janeiro, onde abriu uma fabrica de massas alimentícias. Transferiu-se para o Rio Pardo e dedicou-se ao comércio desde ferramentas até roupas prontas. A família tinha tradição no comércio em Casteluccio Superiore. Veio com a esposa Teresa Rossi De Biase e os filhos Nicolau, Carmo, Vicente, e Maria Inês. O filho Pietrangelo ficou na Itália estudando no Seminário de Monte Cassino, até 1910, quando então veio definitivamente e casou-se com Mariana Vivacqua. O casal teve 9 filhos: Carmem, Margarida, Lícia, Lourdes, Terezinha, Maria Ignês, Ângela e Pedro. Todos estudaram e se formaram
Francesco Lofiego chegou em 1875, montou uma casa comercial e em 1879 buscou sua Mulher Rosa D’ Amico, trazendo também os primos das famílias Scardini e Poncio. O casal trouxe os filhos José, Brás e Nóbila, nascidos em Casteluccio. A primeira atividade da família foi o cultivo do café e o comércio. Os filhos casaram-se com brasileiras de famílias influentes na região os Afonso e Rodrigues de Paula, e a filha Nóbila casou-se com Domingos Vivacqua.
Lofiego Giuseppe, naturalizado brasileiro, José Antônio Lofiego ingressou na política. Foi o primeiro prefeito do município de Iuna. Tomou posse em 1914. Como já era intendente, administrou o município de 1905 a 1920. Foi ainda presidente da câmara, vereador e chefe político. Criou a Banda Musical Carlos Gomes; o teatro; o primeiro jornal, que se chamava “O Boato”; iluminou a rua principal da vila com lampiões a querosene, e construiu o prédio da prefeitura. Enviou os filhos para colégios conceituados e distantes.
Segundo descreve em seu livro “Eu me lembro” Celma Lofego Sobreira Gomes de Oliveira, seu avô José Antônio Lofiego não queria somente “se fazer” no Brasil, mas também influenciar na cultura do lugar. Sua avó Maricas instruía os filhos sobre trabalhos manuais, disciplina e religiosidade, enquanto seu avô se encarregava da educação e cultura, ensinando sobre música, dança, leitura, esportes, comidas, bebidas e convívio social.
Ele mandou trazer um piano da Itália, que veio de trem até Castelo e depois carregado nos ombros de 28 homens até Iuna, passando por Muniz Freire. As filhas estudaram no Colégio do Carmo e em Ponte Nova, Minas Gerais. Celma cita que além da alegria do conhecimento adquirido, ao investir fortemente na formação das filhas, Jose Antonio Lofiego dava a elas as condições necessárias para casarem-se com juristas conceituados.
Brás Lofiego também ingressou na política, assim como seus filhos. Foi o primeiro proprietário de veículo, em 1922, logo seguido pelo primo Coronel Pedro Scardini.
Em 1924, O jovem prefeito construiu em Rio Pardo, a primeira usina de energia elétrica do sul do Estado.
Os homens da família se destacaram no comércio, na política, no direito e na odontologia. Dentre eles, o Dr. Eliseu Lofiego que foi vereador e presidente da Câmara em Cachoeiro de Itapemirim, secretário de Estado do Interior e Negócios da Justiça. Destacou-se, em 1963, na negociação do acordo de fixação de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais e escreveu vários livros. O dentista Moacir Lofiego desenvolveu a técnica de anestesia truncular, conhecida como Técnica Lofêgo. Silvio Lofêgo foi deputado federal. Destacaram-se na família a poetisa Ofélia Lofêgo, a cantora Nara Lofêgo Leão e os cronistas Sergio Gonçalves Lofêgo, também promotor de justiça e Alda Lofêgo Monteiro de Castro, pintora conhecida internacionalmente.
Enfim, a trajetória destas famílias foram marcadas pelo sucesso econômico, político, financeiro e social. Na formação da sua rede de influências, conseguiram prosperar rapidamente com a penetração nos grupos dominantes e em intituições como igreja e poderes públicos judiciário, executivo e legislativo.
Enquanto a grande maioria dos imigrantes Venetos, Lombardos e Emilianos, só conseguiram realizar o sonho da propriedade da terra depois da erradicação dos cafezais, quando migraram para outros setores de atividade,para outras cidades, ou quando as famílias dominantes não se interessaram mais pelas suas grandes propriedades, e os herdeiros foram de desfazendo aos poucos de partes das fazendas e vendendo para sustentar seus padrões de vida, em muitos casos longe dali, em cidades maiores como Cachoeiro, Vitória e Rio de Janeiro. Os valores inerentes, ou criados pelos vínculos verticais contrapondo aos dos vínculos horizontais, provocaram um nítido efeito na cultura local. Ao mesmo tempo em que observamos na comunidade, uma grande propensão à concorrência e à disputa na afirmação do status, por outro lado se mostram fortes também os valores do humanismo, latino e cristão, como a solidariedade, principalmente emanados das classes populares. Ninguém passa frio ou fome, ninguém dorme ao relento. Mas, reafirma-se a distinção política, econômica e social, tornando difícil para os menos favorecidos, a mobilidade, a ascensão social e a penetração nos fechados grupos dominantes. Contudo, como detectou Putnam na análise do desempenho institucional da região Basilicata, da mesma forma, a herança deixada pela rede formada por grandes fazendeiros luso-brasileiros e as famílias dominantes provenientes daquela região do sul da Itália, influenciam, até os nossos dias, as relações de poder, a política baseada sobre o clientelismo e a bipolaridade, com a caracterização de 2 fortes grupos locais, aparentemente alheios à configuração partidária nacional, repercutindo negativamente no desempenho econômico e institucional da região. Confrontando as estatísticas e os índices dos municípios da região do Rio Pardo com o restante do Estado, notamos que os resultados destes só ganham dos municípios do noroeste do Estado, outra região que foi cenário de grandes disputas pela ocupação, onde prevaleceram também os desmandos e a dominação violenta de coronéis luso-brasileiros, embora sem o contato, a interferência e a assimilação de capital social externo, trazido por imigrantes de sociedades mais modernas.
Referências bibliográficas:
Putnam, Robert D – Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Robert D. Putnam, com Robert Leonardi e Raffaella Y. Nanetti; tradução Luiz Alberto Monjardim – Rio de janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas. 1996
Putnam, Robert D – La Tradizione Cívica Nelle Regioni Italiane. Editora Mondadori. Tradução de Noemi Messora.
Cristina Agostinho – Luz Del Fuego – A Bailarina do Povo, através do site www.memoriaviva.digi.com.b
Celma Lofêgo Sobreira Gomes de Oliveira – Eu me lembro... ( sem data e sem referência editoral)
Maria Stella de Novaes – Os Italianos e Seus Descendentes no Espírito Santo. Governo do Estado do espírito Santo. Coordenação estadual do Planejamento. Instituto Jones dos Santos Neves. Vitória. Gráfica Artgraf. 1980.
Ângelo Guarinelo - O Tenente Evaristo . Publicado em 1904 sem referências editoriais
Levy Rocha – O Tenente Evaristo. Um Romance maldito. Matéria publicada no Jornal A Gazeta do Espírito Santo em 4 de agosto de 1982.
Ducumentos vários e depoimentos relacionados aos municípios de Iúna e Muniz Freire.
Entrevistas Diversas.
#Sergio, como Jack, podemos debater 'por partes"? Achei de fato oportuno e tecnicamente irrepreensivel a integra de seu estudo. Confesso ter aprendido muito mais que revisado. Porem diante de exemplos que manipularam algumas vezes conceitos claramente expostos aqui, acho legal se separarmos por parte e conceitos comenta-los. Permite e aceita?
ResponderExcluir"Robert Putnam em seus estudos sobre o de...sempenho institucional e as tradições cívicas nas regiões italianas, no intuito de compreender o forte contraste entre os desempenhos alcançados pelas regiões setentrionais e meridionais, defende... serem as transformações decorrentes da modernidade sócio-econômica, gerada pela revolução industrial, o princípio revelador da importância do grau de civismo para o desenvolvimento social, econômico e político da comunidade." No que diz cidadania ou espírito cívico temos dois exemplos distintos: 1 o espírito de Cidadania e Cívico, exemplificada pelo exemplo da Graça Andreata aqui presente , que via liderança comunitaria é exemplo de luta no que hoje conhecemos Projeto Terra ( relatado antes em livros e filme- Lugar de Toda Pobreza - censurado até pouco tempo atras) e o "BRASIL ame-o ou deixe-o, espírito civico ditado pelos golpistas ditadores brasileiros( para mim fascismo)
A propria Italia , nos dá possibilidades de exemplificar de formas diferentes: A Italia de hoje , comandada por Berlusconni e a mesma Itália de Hoje, que lota as ruas e avenidas , em protesto a este 'desenvolvimento' tão endeusado pela mídia brasileira, a ponto de não noticiar os protestos existentes no Páis. Sobre estas duas realidades duas vezes exemplificadas, como se daria o Processo de organização e desenvolvimento social a partir do espírito Civico ? Abraços
Sergio Guizzardi Responde: Cara Fernanda, esta questão dá muito pano pra manga. Tentarei ser o mais sintético possível na minha colocação para não ramificar por demais. Ok?
ResponderExcluirO espírito cívico é a energia que mantém os elos de uma corrente. Mais que amor ao país e a pátria é o amor aos compatriotas. Através da democracia e da união de interesses comuns; através de cooperação mútua, da solidariedade, do fortaleci...mento dos vínculos horizontais, seja entre os indivíduos, que do grupo, da comunidade, que entre os poderes constituídos. O estudo de Putman é uma comprovação disso, assim como os estudos efetuados peloa Cátedra O Humanismo Latino na Formação dos aglomerados produtivos no Espírito Santo, coordenado pela professora Cristina Dadalto, que identifica aspectos desse civísmo trazido na bagagem dos imigrantes italianos, na formação dos vários aglomerados produtivos, como o Polo de Confecções de Colatina, por exemplo. Quando a cooperação e a ajuda mútua possibilitaram a migração e o estabelecimento de centenas de famílias da agricultura para outros setores da economia, depois da erradicação dos cafezais.
No que toca a Itália de hoje, acenando para o seus exemplos. Neste contexto, é a Itália de todos os tempos, com os grupos - principalmente nas comunas historicamente consideradas com maior grau de civismo - se mobilizando, praticando o civismo, indo às ruas e alimentando a dinâmica das mudanças sociais e políticas que se fazem necessárias. Agora, com o poder aumentado da direita, naturalmente grupos de esquerda querem manter suas conquistas ou pressionar sobre seus interesses.
A Imprensa brasileira tem tradição de noticiar esses movimentos esquerdistas somente depois de consumado, como ênfase de registro histórico, ou quando o fato está evidenciado mundialmente.
nn ho capito un cavolo anke se mi interessava molto essendo il mio cognome............................
ResponderExcluirPaola Vivacqua.
ExcluirProvare a utilizzare il blog Traduci qui ..
Si capirà meglio ..