sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

No Brasil, presidente de tribunal de justiça fala aos que "têm fome e sede de justiça"

No Brasil, presidente de tribunal de justiça fala aos que "têm fome e sede de justiça"

21.12.2011
 
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
PRAVDA.RU
No Brasil, presidente de tribunal de justiça fala aos que VITORIA/BRASIL - Ao tomar posse como novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES), no Sudeste do Brasil, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa - já na solenidade de posse, no último dia 15/12/2011 - entrou para a história do Poder Judiciário Brasileiro ao proferir um discurso pedindo desculpas "aos que, com fome e sede de justiça", que "não saciamos e não temos saciados".
No final desta matéria, o leitor tem, na íntegra, o discurso proferido pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa na solenidade de posse como presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, fato inédito em todo o mundo pela coragem em revelar a verdade, confessar erros do próprio Judiciário, falar de humanismo, com fragmentos de linguagem bíblica, e firmar um pacto social visando materializar a Justa, Fiel e Verdadeira Justiça entre os Homens.
O Espírito Santo é o segundo Estado com o maior índice de assassinatos do Brasil e o primeiro em assassinatos de mulheres. O sistema carcerário do Espírito Santo foi qualificado de 'masmorras" e "Universidade do Crime"  pela imprensa nacional e internacional, o que levou o Brasil a ser colocado na paredão dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Durante o governo de Paulo Hartung, em vistorias feitas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o sistema carcerário do Espírito Santo foi classificado de desumano, selvagem e "impróprio até para animais". A violência da polícia, dos agentes penitenciários e de todo o conjunto do sistema jurídico do Espírito Santo contra presos e familiares deles não tem precedentes na história carcerária brasileira.
Parodiando Sobral Pinto, ao defender o comunista Luiz Carlos Prestes preso nos porões da ditadura de Getulio Vargas, um advogado do Espírito Santo disse que estava seriamente pensando em recorrer à Lei de Proteção aos Animais para defender um preso, cliente seu.No Brasil, presidente de tribunal de justiça fala aos que

Novo presidente anuncia Novos Tempos

Jamais, em toda a história do Poder Judiciário Brasileiro, uma solenidade de posse teve tanta gente, principalmente cidadãos comuns, líderes de movimentos sociais, gente anônima do povo, gente humilde, gente sempre vencida, gente que não existe, famílias de torturados e mutilados pela polícia, de encarcerados e condenados sem provas, de vítimas da própria Justiça, e que tiveram suas esperanças revividas pela veemência e violência do verbo do desembargador Pedro Valls Feu Rosa, que prometeu perseverança em suas ações em uma guerra sem tréguas à "impunidade vergonhosa" no Estado do Espírito Santo.

O discurso do novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo assustou os criminosos do colarinho branco, que há oito anos dominam os poderes decisórios do Espírito Santo, e fez renascer as esperanças então sepultadas dos injustiçados, vítimas do sistema jurídico estadual.

Toda a solenidade de posse de Pedro Valls Feu Rosa foi tomada por fortes emoções. Seu discurso arrancou lágrimas em dezenas de pessoas presentes. Como se não bastasses as lágrimas de populares que clamam por justiça, até a desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos, vice-corregedora do tribunal, chorou diante do discurso do seu colega desembargador Pedro Valls Feu Rosa.

Um conjunto de 15 ações foram anunciadas pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa para agilizar a justiça, combater a impunidade. Uma delas, enquanto ele fazia seu discurso de posse, entrava em ação: o acompanhamento, pela Internet, em tempo real de processos. Painéis eletrônicos foram instalados na entrada do Tribunal de Justiça e informavam a tramitação de processos de diferentes varas como a de improbidade, criminais, cíveis e execuções fiscais. Para cada uma delas o cidadão já pode saber quanto tempo tramita a ação, qual juiz está à frente do processo e se há atraso na decisão.

"Os processos de pistolagem, corrupção, improbidade só vão ficar esquecidos se absolutamente ninguém olhar para os painéis ou a internet. Três painéis já estão ligados, outros serão em breve. É difícil falar em prazos, mas afirmo que vamos começar hoje uma guerra contra a impunidade e a corrupção em favor da ética e da transparência", enfatizou o novo presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

O desembargador destacou o cumprimento das metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas salientou que cinco crimes terão prioridade de julgamento durante a gestão dele: pedofilia, pistolagem, corrupção, tortura e improbidade.

No Brasil, presidente de tribunal de justiça fala aos que "As metas (do CNJ) são necessárias, eu as aplaudo e elas devem ser cumpridas. Mas não devemos esquecer que vida humana não é número. Existem alguns processos que têm que ser julgados com a máxima rapidez. São cinco: pedofilia, pistolagem, corrupção, tortura e improbidade", disse o novo presidente do TJES.

O desembargador Pedro Valls Feu Rosa disse, também, saber das dificuldades que terá pela frente para implantar suas metas como presidente do TJES, uma delas dentro da própria Justiça, devido ao corporativismo de alguns colegas. Segundo o desembargador o primeiro obstáculo que encontrará será "o corporativismo mesquinho, cego e pequeno de alguns poucos".

"A estes pedimos, desde logo: tenham pena desta instituição a qual tanto mal já fizeram. Por favor, lembrem-se de que quem perde o valor perde tudo. Olhem para trás, vejam o que já perdemos, ouçam a voz das ruas, compreendam que o mundo mudou e reflitam sobre o futuro", afirmou o desembargador Pedro Valls Feu Rosa.

Já durante a solenidade de posse do novo presidente do TJES, o painel de acompanhamento em tempo real de processos judiciais revelou que juízes terão dificuldades para colocar as ações em dia. Só de presos provisórios são 3.702 processos, dos quais 3.649 atrasados. O painel consta links sobre Improbidade administrativa, Execução Fiscal e Presos Provisórios.

Após a cerimônia de posse, 15 protocolos foram assinados entre o Judiciário, Executivo, Ministério Público e entidades de classe:

01 - Implantação do Grupo de Trabalho Institucional para estudo e apresentação de propostas de reformulação da normatização de procedimentos relativos à execução penal;

02 - Implantação da Comissão Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura;

03 - Protocolo de intenções a fim de iniciar os estudos quanto a constituição do Mecanismo Estadual de Combate à Tortura;

04 - Protocolo de intenções que tem por finalidade fortalecer a articulação institucional entre os órgãos responsáveis pela segurança pública;

05 - Pactuação entre o Judiciário e o Executivo para constituir a Rede Estadual de atenção integral em saúde mental, álcool e outras drogas;

06 - Fortalecer a articulação institucional entre os órgãos responsáveis pelo Sistema Nacional de Atendimento socioeducativo;

07 - Implementar, de forma descentralizada, a rede de Centros Integrados de Atendimento à Mulher Vítima de Violência;

08 - Instituir projeto de visitas sistemáticas de juízes da infância às escolas, com produção de relatórios das medidas adotadas e posterior
divulgação na internet e implementação de projetos pilotos de Justiça Restaurativa nas Escolas da Rede Pública;

09 - Pactuação entre o Judiciário e o Executivo para construção da nova sede do Fórum de Vitória;

10 - Implantar processos eletrônicos nas 1ª e 2ª Varas de Execuções Fiscais;

11 - Protocolo de intenções com o Fórum de Entidades e Federações para elaboração do plano de desenvolvimento legal;

12 - Implantar processo eletrônico na 12ª Vara Cível de Vitória;

13 - Elaborar com o momento ES em Ação o planejamento estratégico Espírito Santo 2030;

14 - Desenvolver o Portal dos Direitos Humanos;

15 - Implementar ações de aperfeiçoamento da relação entre a magistratura e a advocacia.

Representantes de 40 entidades da sociedade civil do Estado do Espírito Santo manifestaram, por meio da nota "A Justiça que Queremos", apoio ao desembargador Pedro Valls Feu Rosa. As 40 entidades que assinaram a nota atuam na defesa da vida humana e no combate ao crime organizado, à corrupção, ao tráfico de influência e aos desmandos com a coisa pública.

Confira a lista das entidades que assinaram o manifesto "A Justiça que Queremos": Arquidiocese de Vitória, Associação de Mães e Familiares Vítimas de Violência, Associação Espírito Santense dos Advogados Públicos, Associação Anjos do Asfalto, Associação dos Procuradores do Poder Legislativo, Associação dos Servidores da Cultura, Associação dos Servidores do Departamento Estadual de Trânsito, Associação dos Servidores do Instituto Estadual do Meio Ambiente, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Centro de Apoio dos Direitos Humanos, Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra, Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Atílio Vivácqua, Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Cachoeiro de Itapemirim, Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Castelo, Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Colatina, Centro de Defesa dos Direitos Humanos de São Mateus, Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, Confederação das Mulheres do Brasil, Conselho Estadual dos Direitos Humanos, Diocese de São Mateus, Diocese de Cachoeiro de Itapemirim, Diocese de Colatina, Fórum da Juventude Negra do Espírito Santo, Instituto Civitas, Movimento Justiça Brasil, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Espírito Santo, Ordem dos Advogados do Brasil, Sindicato dos Bombeiros, Sindicato dos Advogados, Sindicato dos Enfermeiros, Sindicato dos Vigilantes, Sindicato dos servidores do Poder Judiciário, Sindicato dos Servidores da Assembléia Legislativa e Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo, União dos Negros do Espírito Santo, Movimento Nacional de Direitos Humanos, entre outros.

Perfil dos que vão comandar o TJES

Presidente - Pedro Valls Feu Rosa: Formado em Direito pela Universidade Federal do Espírito santo, tem 45 anos, é filho do ex-presidente do TJES Antônio José Miguel Feu Rosa e de Valeria Valls Feu Rosa e casado com Luciana Feu Rosa. Assumiu vaga de desembargador aos 28 anos, em 1994, após atuar como juiz em várias comarcas. Idealizador dos projetos Justiça Volante e Justiça sobre Rodas, inéditos em todo o Brasil.

Vice-presidente - Carlos Roberto Mignone: Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo e pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, , tem 66 anos, é filho de Elmo Mignone e Elvira de Assis Mignone e casado com Maria da Glória Arêas Mignone. Exerceu a advocacia até tornar-se juiz, em 1974. Atuou em diversas comarcas e no Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES). Chegou ao TJES em 2004.

Corregedor-geral - Carlos Henrique Rios do Amaral: Tem 66 anos, é filho do ex-presidente do TJES Epaminondas do Amaral e Cemirames Rios do Amaral e casado com Ilma Fátima Amaral de Abreu. Formado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, está na magistratura desde 1977. Atuou como juiz em Linhares, Ecoporanga, Itaguaçu, Vitória, juiz auxiliar da Corregedoria e membro do TRE-ES. Em 2003 foi promovido a desembargador do TJES.

Vice-corregedora - Catharina Maria Novaes Barcellos é viúva, filha de Hugo Novaes e Esmilda Saleme Novaes. É graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, e pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil. Está na magistratura desde 1983, tendo sido a primeira mulher a atuar no TJES, em 1989, e a primeira eleita para compor a Corte, em 2005, após várias substituições.

A íntegra do discurso histórico

Abaixo e na íntegra, o discurso que falou aos corações "dos que têm fome e sede de justiça", reviveu a esperança perdida dos injustiçados e assustou os homens do mal:

"Dizem chamar-se 'gratidão' a memória do coração. Assim, ser humano que sou, peço licença para começar minhas palavras externando um agradecimento pessoal a todos quantos suavizaram minha caminhada até esta data.

Dirijo meu primeiro e maior sentimento ao Criador, pela paciência e compreensão - apesar de minhas falhas e fraquezas humanas, nunca me faltou a demonstração inequívoca de Sua bondade. Muito obrigado, meu Deus!

Ao meu saudoso pai, de quem guardo com carinho a lição maior de jamais esmorecer na defesa dos mais fracos, tantas vezes preconceituosa e injustamente chamados de "zé-povinho".

À minha mãe, Valéria, pelo desprendimento e grandeza de espírito com que educou aquela criança travessa e curiosa, cuja maior alegria era quebrar os presentes que recebia para saber como funcionavam!

Espero, meus pais, estar sendo digno de todos os sacrifícios que fizeram por mim.

A Luciana, minha esposa, a cuja vida as atribulações de minha profissão tanto amargor trouxeram - mas que nunca deixou de estar ao meu lado, cumprindo com honra e sentimento aquela promessa feita há exatos 20 anos diante de um altar.

Lanço também um olhar aos meus Colegas deste Tribunal de Justiça - e já são bons 17 anos de caminhada! Sou e serei reconhecido por jamais me ter faltado aquele apoio indispensável à manutenção do entusiasmo, sincero e juvenil, que nutro por esta instituição - apoio este que tenho procurado honrar com o melhor de minhas forças.

Agradeço, finalmente, a todos aqueles que em mim depositaram um voto de confiança, aos que me estenderam a mão nos momentos difíceis, aos muitos que comigo compartilharam e compartilham o sonho de um mundo melhor. A todos vocês, a cada um de vocês, o meu sincero e profundo 'muito obrigado'. Retribuirei tentando não decepcioná-los.

Mas já me alongo, e recordo ser este um momento institucional. Assim, a partir deste momento, falará não mais o Pedro, mas o presidente do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo, a praticar o seu primeiro ato oficial - e seja ele o de pedir desculpas.

Eu peço desculpas aos que, com fome e sede de justiça, nós não saciamos e não temos saciado. Curvo-me, neste momento, diante da memória daqueles que tombaram vítimas do crime organizado, deixando para os entes queridos a herança amarga daquela humilhação que a impunidade traz.

São irmãos, esposas, filhos e pais que amargaram e amargam 20, 25, 30 anos de espera não por uma condenação, mas por uma resposta. Uma simples resposta que seja. Um sim ou um não.

Questionados, costumamos colocar a culpa nas leis ou nos advogados. Isto não é verdade. Não há Código de Processo, não há defesa neste mundo que possa atrasar um julgamento por décadas a fio! Não, aqui a culpa é nossa. Nossa culpa, nossa tão grande culpa.

Muitas vezes leões diante dos carneiros que enchem ainda mais nossas já abarrotadas prisões, aqui temos, sim, enquanto instituição, cometido o pecado de ser carneiro diante dos leões. E por este pecado eu peço desculpas.

Mas desculpas não bastam. Cumpre venham acompanhadas de atos. É quando anuncio que, juntamente com o Poder Executivo e o Ministério Público, localizaremos e agilizaremos cada processo decorrente de pistolagem e de crime organizado que esteja tramitando.

Cada um deles. Colocaremos seus dados em um painel que será instalado na entrada deste Tribunal de Justiça, replicado na Internet. Nele constará o nome do magistrado responsável, o número de dias no gabinete e há quanto tempo começou a tramitação no Judiciário. Em caso de atraso, uma luz vermelha alertará a população.

Com este sistema, tão simples quanto barato, confiamos em que nunca mais, mas nunca mais mesmo, a família capixaba será manchada pelo descaso dos processos que se arrastam por décadas a fio, esquecidos ou relegados a um segundo plano. Esta impunidade vergonhosa começa a acabar aqui. Agora. Nesta sala. Neste momento.

Eu peço desculpas aos torturados. Desculpas aos que foram devolvidos às ruas sem uma perna, sem as duas, paraplégicos, aleijados - e, o pior de tudo, sem brilho nos olhos. Vivos estão, mas morreram para a vida. Será que já foram indenizados? Ou perambulam por aí, passando fome? A todos eles eu peço desculpas em nome do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo.

Aqui, bom é que se diga, a culpa não é só nossa. Afinal, como dizia Friedenberg, "as pessoas não só aceitam a violência quando perpetrada pela autoridade legítima, como aceitam legítima a violência contra certas espécies de pessoas, não importa quem a cometa".

Sim, esta é uma culpa de muitos. Mas temos, cá, a nossa parcela de responsabilidade. E por ela eu peço perdão.

Peço desculpas, sinceras e doídas desculpas, às mães de presos que receberam seus filhos de volta esquartejados, embalados em caixotes, vítimas de chacinas impunes praticadas sob os olhos do Estado.

Quanto horror, meu Deus! Quanto horror! E sim, eu sei: ninguém aqui é mau. Mas quanto mal foi feito! Quanta crueldade impune!
Uma vez mais, a culpa não nos é exclusiva. Mas, também uma vez mais, cá temos nossa parcela de responsabilidade. Faltou, aqui ou ali, aquele tom de voz um decibel mais alto. Deixamos, lá ou acolá, de tomar aquela medida mais dura que a realidade impunha.

Foi aí, neste detalhe, que erramos enquanto instituição - poderíamos ter ido além, ter sido mais veementes e enérgicos. Sim, nós erramos. Eu errei. Eu errei. E eu peço desculpas, meu Deus.

Que venha este sentimento acompanhado de atos. Será assim que instituiremos, daqui a alguns instantes, a Comissão Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura. Na boa companhia do Poder Executivo, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, da UFES, da Defensoria Pública, do Conselho de Direitos Humanos e do Movimento Nacional de Direitos Humanos, levantaremos cada caso de tortura e chacina praticado em nosso sistema prisional. Cada um deles. E que não fique um sequer para trás. Estes processos serão lançados em um segundo painel, também a ser instalado na entrada deste Tribunal de Justiça.

Nele, ler-se-á o nome do acusado e do magistrado responsável, o número de dias que com ele está o processo, e há quanto tempo este tramita. Também aqui, em caso de atraso, uma sinalização vermelha servirá de alerta.

Lançaremos ainda, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos Humanos, o Portal dos Direitos Humanos, que permitirá a qualquer do povo acompanhar em que tem dado cada violação cometida neste estado.

A página da tortura escancarada e impune, bom é que se diga, já começou a ser virada pelo Poder Executivo e por este Tribunal de Justiça. Mas falta consolidar este avanço e acertar as contas com o passado, para através dele prevenirmos novos horrores no futuro.

Que não tenha sido derramado em vão, aos nossos pés, o sangue de tantos semelhantes e as lágrimas de tantas mães. Que sirva este sacrifício para que nunca mais, mas que nunca mais mesmo, a tortura seja praticada impunemente em um estado que tem orgulho de se chamar Espírito Santo!

Eu peço desculpas, e desculpas muito especiais, aos pobres e miseráveis. Às crianças que morrem pelas favelas, devoradas por ratos ou vítimas da falta de um simples esgoto. Aos semelhantes nossos que reviram latas de lixo buscando alimento sobre o solo de um país tão rico!

A eles eu peço desculpas, humildes e sentidas, porque não temos dado a devida prioridade a todos os processos que envolvem uma corrupção e improbidade assassinas, porque praticadas às custas do sangue de tantos inocentes.

Eu peço desculpas aos empresários que perderam suas empresas e aos chefes de família que perderam seus empregos, vítimas infelizes de tantos corruptos que ainda não encontraram punição.

É certo, e fique isto muito claro, que a culpa por este descalabro não é exclusiva do Poder Judiciário. Ela começa em um mundo jurídico pródigo em conceder direitos que afrontam as mais básicas noções de Justiça. Ela continua pelas favelas e bairros nobres, pelos barracos e salões refinados, onde em certos momentos chega-se a ter a impressão de que "quanto mais bandido, mais aplaudido". E acaba aqui, materializada em decisões muitas vezes tímidas ou injustificadamente tardias.

Assim, pela parte que nos cabe, eu peço desculpas. E daquelas acompanhadas de atos. É quando anuncio um Termo de Cooperação com o Tribunal de Contas, visando a troca de informações e agilização de procedimentos de combate à bandalha. Mas iremos além: de mãos dadas com o Ministério Público, buscaremos localizar e agilizar cada ação de improbidade e cada processo sobre corrupção. De cada um deles prestaremos contas ao povo deste estado, através de mais dois paineis instalados na entrada deste prédio, e replicados na Internet.
O primeiro deles, relativo às ações de improbidade, está sendo acionado neste momento, enquanto pronuncio estas palavras. E o segundo, sobre os processos por corrupção, dentro em breve será instalado. Estará lá, aos olhos do povo, cada caso, seguido do nome do magistrado responsável, há quantos dias com ele está, e um alerta vermelho em caso de atraso.

Quem for inocente, que seja absolvido. Quem for culpado, que seja condenado. O que não se aceita mais é que fique o nosso povo a exclamar, com Castro Alves, "Justiça, ó Justiça, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes"?

Eu peço desculpas aos nossos semelhantes que ficaram esquecidos pelas prisões afora, sem processo ou julgamento. Eles não foram poucos, e por lá não ficaram pouco tempo. Pessoalmente encontrei um trancafiado há seis anos, e o Conselho Nacional de Justiça localizou outro há onze. Será que eles já foram indenizados? Ou vagam por aí passando fome?

Isto não pode ser. Isto é desumano. Isto nos degrada. Mas isto começa a acabar aqui e agora, nesta sala e neste momento. Lado a lado com o Poder Executivo, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil, a UFES, a Defensoria Pública e o Conselho de Direitos Humanos, criaremos daqui a poucos minutos um Grupo de Trabalho Interinstitucional para enfrentar o grave problema penitenciário.

E anuncio, desde já, o primeiro resultado desta união de esforços: um outro painel, que já está sendo desenvolvido em parceria com o Poder Executivo, e que será também afixado na entrada desta Casa. A partir de sua implantação cada preso provisório será listado. Seguir-se-á o nome do magistrado responsável, há quantos dias a prisão provisória perdura, e um alerta vermelho em caso de prolongamento desta situação. O protótipo desta ferramenta acaba de ser ligado neste momento. Já está lá, na porta deste Tribunal de Justiça, para garantir que nunca mais um semelhante nosso seja esquecido pelas prisões afora.

Todas estas medidas que aqui anunciei, e devo ser sincero, não resolverão o problema da morosidade. O fato é que nossos juízes e servidores ainda são poucos, mal distribuídos e muitas vezes carentes de estrutura. Mas é exatamente diante desta realidade confusa que entendemos importante destacar existirem "processos" e "processos", lançando um foco de luz naqueles casos mais graves, que demandam nossa maior atenção.

Este destaque é fundamental quando vivemos em plena era da estatística, na qual o importante é julgar muito, não importa o que.

Inacreditavelmente, nesta realidade um processo decorrente da chacina de inocentes vale o mesmo que um outro tratando do furto de galinhas. O que importa é o número de sentenças. Premia-se quem produz muito, e não quem produz bem. E assim desvirtua-se a finalidade de uma instituição tão bela e importante como o Poder Judiciário.

Buscamos, aqui, simplesmente lembrar que o povo precisa, e desesperadamente, de solução pronta e enérgica pelo menos nos casos mais graves. E sobre estes nós temos, sim, condições de dar uma resposta. E nós queremos dá-la. E nós iremos dá-la.

Nos últimos dias tenho recebido a mão estendida de muita gente. Gente boa, gente séria, gente que me procura oferecendo ajuda para simplesmente mudar uma instituição, sem nada querer em troca.

Eu quero dar, diante da população do meu estado, dois testemunhos. O primeiro vem das centenas de  servidores que vieram a este Tribunal de Justiça simplesmente para oferecer ideias e força de trabalho.

O segundo veio dos juízes. Reunidos em assembleia, foram um a um abrindo mão de férias já deferidas e se colocando à disposição para assumirem maiores responsabilidades, conscientes do momento grave que atravessamos.

Da Associação dos Escrivães à dos Oficiais de Justiça, do Sindicato dos Servidores à Associação dos Magistrados, a mensagem tem sido uma só: queremos um novo Judiciário, e queremos ajudar.

Eles estão aí. Querem trabalhar. Querem de volta o orgulho de simplesmente dizer, olhando de frente o nosso povo, que pertencem ao Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo.

Feridos por generalizações injustas, atingidos pelo corporativismo cego de alguns poucos, eles só querem aquela realização que qualquer profissional, de qualquer carreira que seja, busca. Só isso, e nada mais do que isso.

Sociedade capixaba, não podemos perder este momento único de coesão e vontade. Vejo diante de nós a chance de uma nova instituição, e mesmo de um novo Espírito Santo.

É por isso que peço, para esta imensa maioria silenciosa de pessoas de bem, um passo de fé.

Queremos, enquanto instituição, reconquistar o carinho das ruas. Queremos dobrar uma página. Queremos avançar, e de mãos dadas com o povo. Queremos, aqui e agora, começar algo novo, rumo a um futuro de maior transparência e eficiência.

Que iniciemos esta caminhada sobre as bases da sinceridade: sim, nós erramos. Sim, nós temos falhado. Sim, nós estamos em falta com os pobres e os miseráveis. Sim, em muitos momentos nos preocupamos mais com os nossos direitos que com os nossos deveres. Por estas falhas, pelas omissões, pelas decepções que tenhamos causado, nós pedimos desculpas.

O nome é tabu, mas há que ser dito e enfrentado: sim, o Tribunal de Justiça pede desculpas ao povo deste Estado pela Operação Naufrágio. Pedimos desculpas. Talvez culpa de alguns, talvez culpa de muitos, ela nos manchou a todos. Condenou uma instituição. Desonrou todo um Estado.

Temos nos esforçado, é verdade, para recuperar o tempo perdido. E nosso Tribunal de Justiça, renovado e unido, tem dados mostras sérias e veementes disso - mas precisamos de apoio e força para avançarmos ainda mais. Grandes trabalhos nos aguardam. Temos pela frente o desafio do combate à impunidade. A luta pela modernização de uma estrutura esclerosada. A peleja pela mudança de toda uma cultura burocrática e insensível. E eu peço à população, neste momento, em nome de todos os juízes e servidores que represento, um voto de confiança e uma mão amiga para esta empreitada. Que o passado nos sirva de lição, e que com ele façamos as pazes e acertemos nossas contas, mas que doravante comecemos a marchar rumo ao futuro.

Aqui estamos, com as mãos estendidas, a pedir um apoio decisivo ao Ministério Público. Ao Poder Executivo. Ao Poder Legislativo. À nossa Bancada Federal. À Ordem dos Advogados do Brasil. Ao Conselho Nacional de Justiça. À Imprensa. Aos Municípios. Aos movimentos sociais. A todo o povo capixaba, enfim.

Há tanto por ser fazer! E tão pouco tempo!

Começo pelas vítimas de pedofilia, pelas crianças cuja inocência a maldade humana aniquilou, em crimes muitas vezes impunes. É hora de o nosso estado, destacado por ter chamado a atenção de todo o Brasil sobre este tema, nele avançar como deveria! Assim, na boa companhia do Ministério Público, levantaremos cada caso, e dele prestaremos contas ao povo da forma mais transparente possível, em mais um painel como os que aqui já descrevi.

Temos que lançar um olhar aos professores porque não temos ouvido os seus lamentos. Não temos acordado para a realidade das salas de aula que se transformaram em domínios do crime, dos colégios invadidos pelo mal.

É chegada a hora de reparar esta falta. E assim pactuaremos, em mais alguns instantes, com o Poder Executivo e o Ministério Público, ações concretas de apoio aos educadores. Haverá idas periódicas às escolas, previstas em um calendário fixo - e destas visitas e dos problemas nelas encontrados prestaremos contas ao povo, da forma transparente que aqui tenho exposto.

Que os mestres encontrem em juízes e promotores de justiça uma mão amiga, eis o que buscaremos.
E que dizer da segurança pública em geral? De um lado os órgãos de segurança pedindo maior apoio e reclamando das sucessivas solturas de bandidos - e a crítica procede, pois já encontrei um deles com nada menos que 19 Alvarás de Soltura. Do outro lado, não é raro que nossos juízes se deparem com ações mais "pirotécnicas" do que técnicas - e sobre seus ombros recairá a tarefa ingrata de assumir o ônus da impunidade perante a opinião pública.

Isto tem que acabar. Afinal, estamos todos do mesmo lado. Que nos sentemos todos ao redor de uma mesa, e daquelas redondas, que não tem nem "lado de cá" nem "lado de lá".

Esta mesa, começaremos a construi-la logo mais, com a assinatura de um Protocolo de Intenções que criará uma agenda comum para os órgãos responsáveis pela segurança pública. Esperamos que seja este o início de uma nova era no combate ao crime em nosso estado.

Que não nos esqueçamos dos menores e das mulheres vítimas de violência - eles praticamente só tem apoio razoavelmente digno e completo na capital. No restante do estado, simplesmente não existe uma estrutura capaz de atendê-los, eis a verdade!

Isto é grave. Quanto aos menores, é triste a cena dos "capiaus" entregues ao convívio muitas vezes violento da cidade grande - acabam seviciados ou mortos. E às mulheres quase sempre resta apenas o silêncio submisso e a lágrima abafada.

O Poder Judiciário, sozinho, não tem como enfrentar este problema. Daí anunciar a criação de uma verdadeira "frente" para combatê-lo. Esperamos, a muitas mãos, começar a mudar esta realidade em cada município capixaba. Os recursos virão da nossa Bancada Federal, que pela primeira vez vem andar, unida, com este Tribunal de Justiça, e do Poder Executivo. A Associação dos Municípios e a Assembleia Legislativa, em parceria com os prefeitos, providenciarão o apoio logístico indispensável. E complementarão o movimento a Defensoria Pública e o Ministério Público, fazendo uso da estrutura criada.

Esta ação, inédita em nosso estado, começará daqui a mais alguns instantes. Levará tempo, é certo, até que consigamos mudar a realidade de todo um estado. Mas toda obra tem que ter um início, uma pedra fundamental. Será o que faremos logo mais, na esperança de que já no ano que vem começaremos a retirar menores das garras da morte e mulheres das trevas da humilhação.

Temos também que combater a sonegação de impostos, que torna injusta toda uma sociedade. As dificuldades são muitas. Começam com a falta de transparência no processamento das autuações e terminam com a falta de tecnologia e até de foco do Poder Judiciário - basta dizer que apenas 4% das Execuções Fiscais respondem por 96% dos débitos em cobrança, sem que haja um sentido de priorização.

Mas também esta realidade começa a acabar, aqui e agora. De mãos dadas com o Poder Executivo, começaremos algo novo. Desde a propositura das execuções até a priorização nos julgamentos, passando pelos valores envolvidos, tudo será acompanhado eletronicamente, e disponibilizado aos olhos da população.

O primeiro passo já foi dado. Acaba de ser acionado, neste momento, o Painel das Execuções Fiscais, que ainda será refinado e ampliado. Mas já estão lá, aos olhos do público, os dados dos maiores processos, com quem estão e há quantos dias.

Há que se pensar também no desenvolvimento econômico. Só se gera progresso, só se cria riqueza e só se elimina a miséria onde existem regras claras e de aplicação certa, onde existe estabilidade jurídica.

E esta estabilidade jurídica é incompatível com a morosidade, com a não-decisão, com a falta de compreensão sobre o exato impacto dos julgamentos.

É preciso, assim, que estudemos mecanismos que proporcionem os instrumentos jurídicos necessários ao desenvolvimento sustentável deste estado. Eles começam pela redução dos entraves burocráticos, passam por uma estrutura judiciária mais preparada para lidar com as exigências de um mundo globalizado comercialmente e terminam na atração dos investimentos que esta nova realidade tornará possíveis.
Também nesta área estamos dando, aqui e agora, um primeiro passo. Juntamente com o Poder Executivo, a Bancada Federal e o Forum de Entidades e Federações, daremos início ao "Plano de Desenvolvimento Legal" - que através dele, dentro em breve, possamos tornar todo este estado mais competitivo, interiorizando a geração de riquezas e atraindo mais investimentos para uma economia que já não pode mais se limitar às grandes cidades!

Todas estas ações exigirão, de nós, uma estrutura mais leve e eficiente. Esta será uma outra luta a ser enfrentada. Nosso modelo de funcionamento é medieval, baseado em rígidos compartimentos que dificultam a mobilidade e a justa distribuição da carga de trabalho.

Nós temos, hoje, a maior relação juiz/habitante do país, parte de um quadro de recursos humanos cujo peso já começa a se fazer sentir nas contas públicas - e no entanto não temos juízes para o interior do estado.

Hoje, convivemos com magistrados e servidores que lidam com milhares de processos a poucos metros de outros que os tem apenas em centenas. Isto é injusto, e isto não é inteligente.

E que dizermos do inferno da burocracia, que - e cito um pequeno exemplo - impõe muitas vezes a um juiz que responde por duas varas ou comarcas o ato ridículo de escrever cartas para si próprio e ainda respondê-las, prometendo ao final sempre estar à disposição de si próprio quando dele ele mesmo precisar?

Sim, há que se dizer a verdade: nosso sistema de funcionamento é atrasado. Premia a ineficiência. Oculta a verdade. E, o pior, penaliza a população.

A saída não é mais da mesma coisa. Há que se partir para o novo. Há que se repensar nossa estrutura sob um enfoque técnico e gerencial.
Será dentro deste espírito que formalizaremos, logo mais, um Termo de Cooperação com o "Espírito Santo em Ação" e com o Sindijudiciário criando um grupo de estudos encarregado de buscar soluções para cada um destes problemas.

Este grupo não agirá com base nos "achismos" ou sob a inspiração dos interesses corporativos. Não. Tentaremos algo diferente. Ele terá à disposição uma assessoria técnica, especializada em gestão. Buscaremos, de forma lógica e profissional, identificar e eliminar os gargalos da burocracia e da injusta divisão da carga de trabalho.

Confio em que deste grupo sairá a proposta de uma instituição mais leve, menos custosa e muito mais eficiente.

Precisaremos também resolver o problema do Forum de Vitória. Dia desses soube do drama do advogado que faleceu por conta do atraso de atendimento médico, lá pelo sétimo ou oitavo andar daquele prédio. Morreu, aquele semelhante nosso, porque simplesmente não conseguiram levá-lo em menos de 20 minutos até o hospital - que fica do outro lado da rua!

Sim, já está provado que estruturas verticais não dão conta do alto tráfego de um Forum de capital de estado. A quem ainda duvidar, que veja as longas e tristes filas formadas cotidianamente em frente aos elevadores. Partes, advogados, juízes e servidores, todos sofrendo juntos!

E o pior é que Vitória tem hoje não um, mas quinze Foruns. São quinze prédios espalhados pela cidade, quase todos sem vagas de estacionamento, causando ao povo deste estado um prejuízo difícil de quantificar. Nós temos que acabar com isso.

Daí a ideia de construirmos em São Pedro a "Vila da Justiça". Que nossa população possa encontrar, em um lugar só, todos os serviços que a cidadania pede, sendo atendida com dignidade em um local amplo e confortável.

O melhor: a maior distância que nos separa daquele local não é física, é social - e começaremos a reduzi-la. A contar da Reta da Penha, a distância física é de apenas 6 km, talvez a extensão da Praia de Camburi, mas pensemos na redução de distância social aí implicada - principalmente quando já anunciadas pela Prefeitura Municipal as grandes obras de infraestrutura.

Este não é um projeto pequeno, e não é para agora. Mas é agora que o iniciamos, de mãos dadas com o Poder Executivo. Meu mandato, daqui a dois anos terá se encerrado. Logo em seguida, o do Governador Renato Casagrande. Sim, as coisas da vida passam, e passam muito depressa. Mas que deixemos para as gerações seguintes uma cidadania fortalecida em um cantinho hoje tão carente de Vitória.
Nossa derradeira ação inicial, e deixei-a por último para que restasse bem marcada em nossas memórias, será com a Ordem dos Advogados do Brasil. Já passou da hora de ampliarmos nossos canais de diálogo.

Coisa triste, a cena de advogados ao lado de clientes folheando processos de pé, com a barriga encostada em algum estreito balcão, no meio dos corredores dos nossos prédios. Coisa triste, a administração do Judiciário prejudicada porque não foram entendidas pelos advogados peculiaridades mínimas do nosso funcionamento.

Coisa triste, a dos advogados que não entendem a cobrança de toda uma sociedade sobre os ombros dos juízes, que por sua vez não meditam sobre a necessidade de que aqueles deem uma satisfação aos seus clientes.

E que dizer das tristemente usuais representações, cada vez mais rotineiras e em tons cada vez mais elevados, de parte a parte?
Por conta de coisas assim aquele que deveria ser um local solene, de respeito e acatamento - o que elevaria juízes e advogados -, transforma-se a cada dia mais em território do bate-boca e da falta de cerimônia - e isto deprecia juízes e advogados perante uma população a cada dia mais descrente!

Tentaremos, juntos, mudar esta realidade - e começaremos formalizando não um instrumento, mas uma aliança; não um simples acordo, mas o externar da vontade sincera de devolver a servidores, juízes e advogados aquela majestade serena que nunca deveria ter deixado de existir em todos os recantos.

Estas são as nossas metas iniciais. Esta a peregrinação que hoje começamos. Nós somos um grupo de pessoas, de dentro e de fora desta instituição, dispostas a caminhar de mãos dadas, levando na bagagem o ideal de um Poder Judiciário melhor.

Nós não resolveremos todos os problemas, e nem nos pretendemos salvadores de coisa alguma. Mas nós faremos a nossa pequena parte.
Nossa caminhada não será fácil, sabemos disso. E assim porque conhecemos, e bem, os obstáculos que encontraremos pela estrada.

O primeiro deles será o corporativismo mesquinho, cego e pequeno de alguns poucos. A estes pedimos, desde logo: tenham pena desta instituição, à qual tanto mal já fizeram. Por favor, lembrem-se de que quem perde o valor perde tudo. Olhem para trás, vejam o que já perdemos, ouçam a voz das ruas, compreendam que o mundo mudou e reflitam sobre o futuro.

Nós encontraremos também aqueles que vivem da discórdia e da crítica fácil, aqueles que perderão discurso e seguidores caso as coisas melhorem. A estes pedimos que tenham, ao menos uma vez na vida, o sentimento simples da grandeza. Por favor, olhem para as ruas que seus próprios filhos frequentam e percebam a seriedade do momento histórico. Se não quiserem ajudar, que não atrapalhem.

Haverá pelo caminho, ainda, os maus. Impotentes diante das ideias e dos ideais, investirão contra quem os defende. São armas destes infelizes a calúnia e a intriga, se de coisa pior não puderem lançar mão. Já os vimos em ação aqui neste estado, da forma insidiosa típica dos discípulos do mal. A estes, desde já avisamos que poderemos até quebrar, mas não vergaremos. Começamos, aqui e agora, no Salão Pleno deste Tribunal de Justiça, uma luta sem quartel contra a impunidade e pela transparência - e nela não recuaremos. Nem um milímetro.

Alguns outros, ao longo da estrada, movidos por seja lá qual sentimento for, nos dirão ingênuos. Pode ser. Vá lá que seja. Nós somos ingênuos, sim. Mas talvez seja ingenuidade maior acreditar que caixão tem gaveta, ou que algum dia não prestaremos contas de cada ato nosso.

Finalmente, talvez apareça até quem diga ser loucura tentar consertar algo. E também aqui aceitamos a injúria!

Se é normal esta morosidade absurda que semeia a impunidade e leva ao peito de todo um povo a amargura do desamparo, então somos loucos, sim.

Se é normal o apego a estruturas administrativas engessadas, de custo inversamente proporcional à eficiência, então preferimos, sim, a loucura.

Se é normal colocar acima da Justiça o Direito e acima da verdade as formalidades, então que nos acolha algum nosocômio.

Se é normal que juízes escrevam cartas para si próprios, retrato maior de uma burocracia ridícula, então preferimos alegremente o ambiente de algum hospício.

Se tudo isto é normal, então, sim, nós somos loucos. Contemplando a realidade que as pessoas normais criaram, preferimos, e sem vacilações, a doce loucura de achar que este pode ser um mundo melhor.

E será assim, embalados por este sonho bom, que iremos pela estrada afora pedindo ao Criador, com São Francisco de Assis, que nos faça instrumento de Sua paz.

Onde houver ódio, que nós levemos o amor,

Onde houver ofensa, que nós levemos o perdão,

Onde houver discórdia, que nós levemos a união,

Onde houver dúvidas, que nós levemos a fé,

Onde houver erro, que nós levemos a verdade,

Onde houver desespero, que nós levemos a esperança,

Onde houver tristeza, que nós levemos a alegria,

Onde houver trevas, que nós levemos a luz.

Ó Mestre, fazei com que cada um de nós procure mais

Consolar que ser consolado,

Compreender que ser compreendido,

Amar que ser amado.

Pois é distribuindo a serena Justiça que se recebe a Sua misericórdia,

É perdoando as incompreensões que se é perdoado,

E é vivendo com grandeza que se nasce para a vida eterna...

Muito obrigado."



ANTONIO CARLOS LACERDA é correspondente internacional do PRAVDA.RU

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